Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Consolação na morte
Sinto que vão quebrando-se em meu peito
As molas da existencia; sinto a vida
Escapar-me das veias; nem respiro,
Como outr’ora, estes ares que alimentam…
Cedo terei baixado ao negro asylo
Onde habita o mysterio envôlto em trévas
Nas solidões de um funebre silencio…
Irei sem murmurar—irei sósinho
Com minhas mágoas repousar a fronte
Sôbre um torrão de terra—desta terra
Que tanto as minhas lágrimas banharam…
Irei pedir a última hospedagem
Lá onde ha leitos para todo o homem
Dormir o último somno; e irei tranquillo,
Porque não amo, viajor exhausto,
Estas poentas vestes laceradas
Nas urzes do caminho; porque embalde
No horror da minha noite hei procurado
No oriente um sol, nos céos um astro,
Que me aclarasse do futuro as sendas…
Ah! que monta viver?… sorver aos poucos
Te ás fézes um calice de angústias,
Que mata lento e lento; e agonisante
Vivo se proclamar o moribundo!…
Dizer-se amôr—dos corações as chagas,
Esperança—uma phenix, que renasce
Sempre de cinzas; f’licidade—um nome
De um astro que não viram olhos d’homem,
Que talvez não verão!… E’ isto a vida?
Oh! desça ante meus olhos a cortina
Do pallido sepulchro; ella me esconde
O vazio do mundo, e este vazio,
Que tenho n’alma fundo qual abysmo,
Sómente o póde encher a eternidade!…