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Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Desengano (II)

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DESENGANO


Vai desmaiando o astro rei do dia
De seu gyro a balisa já roçando
Com a fulgurante cóma, e se extasia
Tão extenso caminho contemplando.

Tambem vão desfolhando-se mirrados
Da minha vida os pallidos momentos,
Atrás os olhos volvo — eil-os passados
Malditos de esperança inda sangrentos.

Palleja a tarde e balsamos vapora
Para descanço ao trabalhoso dia,
Amanhã fulgirá brilhante aurora,
E ha de trazer-me só melancolia.

Quanto prazer a natureza inspira!…
Cantam as aves ao sorrir das flôres,
Mas o meu coração sangra e delira,
Que mais o punge o torturar das dôres.


Meu destino é chorar, viver errando,
Entre campas volvêr ossos quebrados
De sumidos cadaveres — olhando
Da especie humana os omnimosos fados.

Cumpra-se o meu destino! Irei prostrar-me
Junto da Cruz que o cemiterio alteia;
E lá um esqueleto ha de arrastar-me
A’ alguma cova hiante, humida e feia.