Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Duas Auroras
La’ despontam no Levante
Entre candidos vapores,
Os primeiros resplendores
Do purpurino arrebol.
Já da noite os véos sombrios
No occidente empallidecem;
Sóbe aluz, as nuvens descem,
Foge a noite, assoma o sol.
Sobre o páramo dos ares
Um véo de luz se derrama,
Que nas pérolas da gramma
Vem sorrindo scintillar.
Estão as viçosas flôres
Abrindo os botões odóros,
E mil passaros sonóros
Sôbre as ramas a trinar.
Preguiçoso róla o rio
As verdes praias beijando,
Longamente murmurando
Um carpido adeus de amôr.
Da folhagem do arvoredo
Doces lágrimas gottejam;
E mil zephyros adejam
Pousando de flôr em flôr.
Vem commigo, ó minha amada,
Saüdar esta aurora bella;
Não tenho sem ti, donzella,
Nem um completo prazer.
Vem, do teu amante ao lado,
Pousar neste chão de flôres,
E a linguagem dos amôres
Com as aves aprender.
Vem, depressa, ó minha pomba!
Vem com teus labios risonhos
Contar-me os singelos sonhos
Que em tua alma o céo verteu.
Eu quero tambem contar-te
Um sonho, um sonho mui bello,
Desejo, ó virgem, vertel-o,
Guardal-o no seio teu.
Traze os teus louros cabellos
Soltos á briza ligeira,
Assim como a vez primeira,
Que neste prado te vi!
Na minha lyra dourada
Vibrando as cordas sonoras,
Cantarei duas auroras,
Uma nos céos—outra em ti!