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Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Glosa

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GLOSA


Deus na linguagem das flôres
Sabiamente a historia exprime
Da mágoa que nos opprime
Neste valle de mil dôres;
Na sultana dos amores
Na rosa, ó Deus, resumiste
Toda a ventura que existe
Nos jardins do coração;
Pintar fizeste a paixão
O cypreste verde, e triste.


Que grande, e vário poema
Nessas páginas de flôres,
Nessas hervas, e verdores
Que são da vida o emblema!…
Não! por mais que folgue ou gema
Qualquer outra creatura;
Na polé da desventura
Ninguem como eu ha gemido,
Pois no cypreste hei tido
Cópia da minha figura.

Houve um tempo (oh! que saüdade
Guardo delle na minh’alma!)
Houve um tempo onde vi calma
Toda a minha mocidade,
Nos braços da felicidade
Crescer em doce alliança;
Fonte era limpida, e mansa,
Onde a sombra prasenteira
Ia estampar a palmeira
Verde qual minha esperança.

Ai! o tufão da desgraça
Prostrou a florida palma,
Na fonte limpida e calma,
Onde turva hoje só passa;
Sim, tudo isto retraça
Minha sorte triste, e dura;

Vem, ramo de côr escura,
Vem, que eu do peito te amo,
Vem, cypreste, vem, meu ramo,
Triste qual minha ventura.