Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Hymno da Creação
Que mão mysteriosa me conduz?
Vai pelo espaço o globo rodeiando
Accelerado, infrenne…
Trévas medonhas, lampadas de luz
Sobre a minha cabeça vão rolando
Em um gyro perenne…
O’ terra, ó sol, ó noite, ó céos, e mares!
Quem sou? quem sois? Que mão mysteriosa,
Que fôrça sempiterna
Fabricou, e sustenta sôbre os ares
Esta máchina immensa e magestosa?
Que sabio a governa?
Seja a terra, Elle mandou,
E eu fui no profundo espaço;
Impelliu-me com seu braço,
E meu gyro começou:
O meu primitivo passo
Ao veloz tempo marcou
A origem da sua idade;
Eu rasguei a immensidade,
E Elle da eternidade
O immovel seio rasgou.
Seja a luz, disse o Senhor,
E eu no abysmo rutilei,
Longe as trévas arrojei
Que occultam dos céos a côr;
E eu que sou do espaço rei,
Co’a luz dos olhares meus
A vida aos mortaes dardejo;
São estrêllas meu cortejo,
Do universo as molas rejo,
Mas regem-me as mãos de Deus!
A minha informe amplidão
Do infinito é tôsca imagem;
O brado é minha linguagem
No hymno da creação!
P’ra render minha homenagem
Tento aos astros me arrojar,
E sobre mil escarcéos
Louvar ao Senhor nos céos…
Mas quebra os arrojos meus
Do Senhor um só olhar!…
Eu sou a mãi do repouso,
Que na terra o somno espalho,
E com lágrimas orvalho
O hemispherio sequioso;
O sol protege o trabalho,
Eu sou a socia de amôr;
Mas visto estrellado manto
Para alçar perenne canto
Ao nome tres vezes santo,
Ao nome do Creador.
Eu sou um raio finito
Da infinita intelligencia,
Que no livro da existencia
Leio em toda a parte escripto
O nome da Providencia,
Do Deus, do Senhor, do Pai!
Eia, ó céos! ó terra! ó dia!
O’ mar! ó noite sombria!
Juntemos nossa harmonia
Para louvar Adonai!…
Nós, ó senhor, te louvamos,
Nós, Senhor, te bemdizemos,
E a fonte donde descemos
Perpetuamente adoramos!
Hosana, hosana entoemos
Ao Deus, ao Pai, ao Senhor!
Hosana de noite, e dia,
No céo, na terra, á porfia,
E em toda a parte harmonia
Ao Deus, ao Pai Creador!…