Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/O que é amôr?
Já viste dous élos gemeos
Mutuamente encadeados,
Que mesmo estando afastados
Prefazem um só grilhão?
Já viste alegres voando
Sempre a par, sempre juntinhas,
Duas candidas pombinhas
Atadas por um cordão?
Já viste duas nascentes
Que deslisando do monte
Vêm depois n’uma só fonte
Sôbre os campos collear?
Já viste o iris celeste,
Que descendo sôbre a terra
Em duas columnas erra,
Que vão no céo vincular?
Já viste duas ilhotas
De nuvens no céo perdidas,
Que mutuamente attrahidas
Vão no céo se confundir?
Já viste dous alvos lyrios
Que do arôma que exhalam
Vão no céo por onde allam
Um só arôma esparzir?
Tal é a imagem, donzella,
Dessa humana divindade,
Flôr da sensibilidade,
Que os homens chamam—amôr.
E’ um enigma inneffavel,
E’ um mysterio profundo,
Revelado á todo o mundo
Por um rosto encantador.
Como os pombos enlaçados,
Como as fontes, n’uma só,
Tal é o amôr, um nó,
Como os élos do grilhão.
Amôr é iris celeste,
Que prendendo as almas puras,
Vai vincular nas alturas
Affectos do coração.
Como as nuvens que se atrahem,
Como o perfume do lyrio
Que se vai juntar no empireo
Aos arômas d’outra flôr;
Assim as almas attrahem
Por fôrça da sympathia;
Tal ao céo aroma envia
Das almas o puro amôr.
Eis ahi, donosa virgem,
Do amôr uma tosca imagem,
Pois não explica a linguagem
Mysterios do coração.
Mas eu sei que um anjo prende
Nossas almas n’uma só,
E que se chama esse nó
Sympathia, amôr, paixão.