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Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Só se pode amar no céo

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SO’ SE PODE AMAR NO CÉO


Não, tu não sabes, donzella,
O que é descrêr do futuro;
No teu horizonte puro
Fulge ainda estrêlla bella.

Não tentes rasgar o véo,
O santo véo da innocencia,
Que vela a tua existencia
Anjo caïdo do céo!

A innocencia é a redoma
Que encerra as delicias d’alma,
Quebrada, quebra-se a calma,
E lá o infortunio assoma.

Não é reflexo do empireo,
Virgem, o amôr terreal;
E’ antes sonho infernal,
Que produz atroz martyrio.


Levanta, pois, os teus olhos
Para o claro azul dos céos;
Lá verás anjos, e Deus,
Na terra só vês abrolhos.

Olha, ó moça, se é preciso
Que eu te adore, ah! eu te adoro;
Porém do peito deploro,
Não podêr dar-te um sorriso.

Amei; n’um céo de ventura
Já sonhei gozos infindos;
Mas toldou sonhos tão lindos
Da descrença a noite escura.

Quanto amei! só Deus o sabe:
Eu tenho uma alma de fogo;
Oh! findou-se o sonho logo,
Em meu peito amôr não cabe.

Já nem resta-me a esperança!
Apenas de quando em quando
Do passado um écho brando
Vem soar-me na lembrança.

Não chores, virgem, teu pranto
Vai derramar junto á cruz;
Prantos de um anjo de luz
Deus enxuga com seu manto.


Eu, que avistei no horizonte
Bella estrêlla, hoje perdida,
Não choro, tenho exhaurida
Já das emoções a fonte.

Volve, pois, os teus olhares
Para a mansão da innocencia
Que a urna desta existencia
E’ cheia só de pezares.

Mas quando ás bordas da campa
Revolveres na memoria
Essa página da historia
Que a desdita nossa estampa;

Nos finaes suspiros teus
Dirás com riso tristono:
— O amôr na terra é um sonho;
Só se póde amar nos céos.