Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XLV
Procuramos ser objectos da memória, e assuntos da fama: o nosso fim é querermos, que se fale em nós, vindo a ser ambiciosos das palavras dos outros, e idólatras das narrações da história. Este delírio nos entrega à aplicação das letras, e nos inspira a inclinação das armas, como dous pólos, que guiam para uma fingida, e sonhada imortalidade. Alguns fogem da sociedade, ou por cansados do tumulto, ou porque conhecem os enganos do aplauso; porém ainda esses lá se formam uma crença vaidosa, de que os homens falam neles, e discorrem sobre a causa dos seus retiros. Quantas vezes nos parece, que o bosque, que nos serve de muda companhia, se magoa dos nossos infortúnios, e que o vale recebe o sentimento das nossas queixas, quando em ecos entrega aos ventos, partidos, os nossos ais! Parece-nos, que a Aurora nasce rindo dos nossos males; que as fontes murmuram dos nossos desassossegos; que as flores crescem para símbolo das nossas delícias; e que as aves festejam os nossos triunfos.