Reflexões sobre a Vaidade dos Homens (1980)/XXIII
O homem de uma medíocre vaidade é incapaz de premeditar empresas, nem de formar projectos: tudo nele é sem calor: a sua mesma vida é uma espécie de letargo; tudo o que procura é com passos vagarosos, cobardes, e descuidados; porque a vaidade é em nós como um espírito dobrado, que nos anima, por isso o homem, em que a vaidade não domina é tímido, e sempre cercado de dúvida, e de receio; a vaidade logo traz consigo o desembaraço, a confiança, o arrojo, e a certeza. Presume muito de si quem tem vaidade, por isso é confiado; não presume de si nada quem não tem vaidade, por isso é tímido. A vaidade nos faz parecer, que merecemos tudo, por isso empreendemos, e conseguimos às vezes; a falta de vaidade nos faz parecer, que não merecemos nada, por isso nem buscamos, nem pedimos. Este extremo é raro, o outro é mui comum; daquele se compõe o mundo, deste o Céu.