Resumo do que se depreende pelos depoimentos das testemunhas da devassa e mais diligências da Alçada, a respeito do Governador que foi desta Ilha da Madeira, António Manuel de Noronha

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Prova-se em geral pelo maior número das Testemunhas da Devassa e sumário, bem como pelos interrogatórios de alguns réus da mesma devassa, que o Governador António Manuel de Noronha, tendo mostrado sempre grande eficácia em festejar com salvas e vivas todas as notícias favoráveis ao Governo chamado Constitucional, recebera com frieza e evidente desprazer os ofícios, em que pela Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra lhe foi comunicada a restituição do legítimo Governo de S. M. e dos seus imprescriptíveis direitos de soberania; porque não dando demonstrações algumas de regozijo no dia 16 de Junho em que os recebeu, passou no dia seguinte a convocar um conselho do reverendo Bispo, Câmara, Autoridades civis e militares, para prpor à deliberação o seu cumprimento; perguntando no mesmo conselho se assistiam os assistentes às determinações recebidas: além das muitas testemunhas assim o comprovão, entre os quais é notável o depoimento do Cônsul inglês em o n.° 11 quando diz que o Governador pretenderia manter o Governo Constitutional se não temesse o Povo, e achasse apoio no Governo britânico, asseverão outro tanto nos interrogatórios apensos, tão bem como presenciais os réus Nicolau Caetano Pita e Joaquim Belchior Gonçalves, então vereadores constitucionais e o Capitão Ajudante de Milícias, João José de Sá Bettencourt.

Decidido no referido conselho o cumprimento de tais orderns sem que contudo nesse acto algum sinal ainda se manifestasse se não de sentimento e pesar, mais notável se tornou o comportamento do mesmo Governador quando no dia seguinte 18 assistindo ao Te-Deum que o Reverendo Bispo celebrou na Catedral em acção de graças, além de mostrar-se ai sombrio e melancólico e até de botas, notando-se essa tendência contra o seu costume em ocasiões de festas constitucionais, não só por ordem sua unicamente salvarão duas fortalezas e o Brigue Tejo, quando anteriormente salvarão todos, mas no fim das descargas que deu o Batalhão postado no Largo da Sé o mandou recolher, respondendo com tal ordem à pergunta que da carta do Comandante se lhe fizera, se devião dar-se vivas e confessando depois que assim o praticara por motivos que ele sabia: e porque recolhido já o Batalhão sem dar os referidos vivas, algumas pessoas do Povo, aliás indignado de tal procedimento e trasnbordando de alegria por tão faustas notícias, os entoarão, pretendendo ao mesmo tempo excavar o lugar em que se havia enterrado a lapide do monumento constitucional, o mesmo Governador correndo a cortar esses louváveis e necessários efeitos de fidelidade e sagrada Pessoa de S. M, e lançando a mão com indignidade a um daqueles indivíduos, preso nesse acto pelo Capitão Ajudante de Milícias João José de Sá Bettencourt, pessoalmente o acompanhou à Guarda da Alfândega, mandando-o transferir dali para a Fortaleza do Ilhéu, no qual e na do Pico teve de sofrer a rigorosa prisão de 57 dias com o especioso fundamento de um sumário, em que por tal motivo foi com outros compreendido: e para mais segurar a permanencia daquele monumento, enquanto com alguns oficiais de espadas nas mãos atemorizavão o Povo, tanto de dia, como de noite, na iluminação do Passeio Público, para se não entoarem vivas, passou ordem à Câmara constitucional, segundo dizem as testemunhas, ou foi com ela de acordo, para se calçar o terreno em que se achava enterrada a dita lapide, o que efectivamente se praticou logo; sendo necessária a chegada da Alçada e de novos Ministros para se destruir um monumento destinado só a perpetuar com elogio a memória do governo revolucionário.

Posteriormente não foi menos culpado, segundo os depoimentos das testemunhas, o procedimento do dito Governador. Se a 6 de Julho no segundo Te-Deum, que o Reverendo Bispo celebrou mais solene, ele mandou dar vivas pelo Batalhão, foi essa ordem só motivada pelas murmurações do Povo e receio de algum movimento.

Entretanto as notícias fabulosas de nova revolução em Portugal corrião geral e escandalosamente espalhadas pela facção que ele apoiava, ouvião-se descantos de Hinos Constitucionais, afixavão-se pasquins incendiários, que lhe erão entregues de que nunca fez devassar a aparecião proclamações revolucionárias com vivas a Constituição e Governo independente da llha, convidando a nova aclamação da Constituição para dias determinados sem que jamais se dessem providências algumas atá a vespera do dia 24 de Agosto, em que desvanecidas todas as esperanças da facção com as notícias dadas por uma Polaca sarda vinda de Gibraltar, que aportou nesse dia de manhã, para então cobrir seus anteriores procedimentos, como conceituão as testemunhas, publicou um Edital assinado por ele, pelo Juiz de Fora servindo de Corregedor e pelo Juiz por bem da Lei, em que recomendava ao Povo sossego e quietação; fez guarnecer três Fortalezas com tropas do Brigue Tejo e pôs o Batalhão nos quarteis pronto a primeira voz; com o que assim mesmo não tornou menos suspeitosas suas intenções, muito mais pela resposta dada ao Comandante das rondas, quando lhe pediu instruções, que se encontrasse descantes cada qual tocava o que sabia e que o municiamento era para se defenderem se fossem atacados e bem assim pela ordem que deu para se entregarem armas com macetes de pólvora embalada aos oficiais presos no Forte do Pico, porém só aos conhecidos por constitucionais, com o pretexto de se oporem a alguma desordem popular.

Ultimamente é quase geral e uniforme o depoimento das testemunhas de um e outro conhecimento e algumas presenciais e de facto próprio, jurando não só da sua constante adesão ao sistema constitucional, mas também a facção maçónica a que pertencia e que apoiava por todos os modos; até com rondas de oficiais tão bem maçons para guardarem as Lojas, das quais era reputado visitador e com cujos membros vivia em particularidade. passando escandalosamente de braço dado com Francisco Ferreira de Abreu, Escrivão da Índia e Mina, um dos principais dessa Sociedade e com o mulato Francisco Januário Cardoso, celebre até para chegar a aparecer no Passeio Público da Cidade com insígnias maçónicas e avental: sendo tão bem constante que no mesmo dia 16 de Junho em que recebeu as faustas participações de Portugal, pessoalmente as fora comunicar às ditas Lojas, em que ainda posteriormente entrara segundo depõe a testemunha presencial n.° 68, bem que em geral pela devassa e sumário se depreenda que depois de aquela época se não tornara a juntar tão infame sociedade ».