Ecos da minh'alma/Teus olhos

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À ANGELINA.


Seus olhos tão negros, tão bellos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo serenos, tranquillos,
As vezes volcão.
A. G. Dias.

Estrellas, que bordais o véu da noite,
O que sois, que valeis ante seus ólhos?
F. Moniz Barreto.

I

Angelina, teus ólhos tão pretos
Em teu rosto brilhando incendidos,
São dous negros, gentis diamantes,
Pelo astro do dia feridos.

São dous negros, gentis diamantes,
Que das mãos do Eterno sahiram,
E que, os ares rompendo ligeiros,
Sobre nivea açucena cahiram.

Sobre ella mais negros parecem,
Que madeixas de grêga formosa,
E si a grêga avistára teus ólhos,
De avistal-os gemera ciosa;

Que teus ólhos tão bellos, tão pretos,
Em teu rosto brilhando incendidos,
São dous negros, gentis diamantes,
Pelo astro do dia feridos.

São mais negros que as trévas, que cercam
Tristes dias do cégo, aziagos;
Mais brilhantes que a nitida estrella,
Que serviu de pharol aos tres Magos.

II.

Assim como 'n um mar procelloso,
Fragil barca, do vento á mercê,

Ora vê-se arrastada aos abysmos,
Ora ás nuvens erguida se vê;

E, querendo luctar co'a tormenta,
De baldados esforços redobra,
Que, batida por túmidas vagas,
Infeliz, sem remedio, sossobra;

Assim 'n esses teus ólhos tão negros,
Em teu rosto incendidos a arder,
Não podendo escapar ao perigo,
Vai a triste razão perecer!

São teus ólhos fataes á mesquinha,
Quando fervem, qual mar em furor;
São fataes, si a scismar se desfazem
Em torrentes de meigo langor.

Os teus ólhos, ás vezes, parecem
Com insólito ardente luzir,
Outros ólhos buscar abrasados,
Onde possam seus raios fundir;

Outros ólhos, que as chammas reflictam
D’essa negra pupilla brilhante,
Respondendo á mudez eloquente
De teu magico olhar fascinante.

III.


Qual nos vastos desertos da Arabia,
O sedento, infeliz viajor,
Que não acha uma fonte, que possa
Mitigar-lhe da sede o ardor;

E que sente crescer-lhe esse fôgo,
Nem ao menos achar sombra amiga,
Onde o brando bafejo das auras
O consóle de tanta fadiga;

Assim (texto ilegível) quem vê os teus ólhos
Em teu (texto ilegível) brilhando,
Como o (texto ilegível)da Arabia
Com seu (texto ilegível) ardentes queimando.

Quem teus ólhos ver póde animados,
Sem de amores mil vezes morrer?!
Si, qual barca no mar procelloso,
'N elles vai a razão perecer?!

Inda aquelle, em quem frio, e bem frio,
Coração, quasi gêlo, pulsasse,
E o amor, tão estranho á su'alma,
Vã palavra no mundo julgasse;

Apezar de gelado, se vira
Esse fôgo, que os olhos t'inflamma,
De um amor, que julgava impossivel,
Sentiria abrasar-se na chamma;

E ficára, bem como, na Arabia,
O sedento, infeliz viajor,
Que não acha uma fonte, que possa
Mitigar-lhe da sêde o ardor!

IV.


Angelina, são teus olhos
         Dous escolhos,

Onde naufraga a razão;
Attrahe o seu mago encanto,
Qual das sereias o canto
Attrahia á perdição!

Quando inflammados á arder,
         Que poder
Ha de a elles resistir,
Si, nos raios, que dardejam,
Os corações só desejam
Inteiros se consumir?

A seu magnetico lume,
         Mal presume
Que fugir póde, a razão;
Que, na porfiada lida,
Succumbe a alma vencida
Por tamanha tentação.

E não só quando brilhante,
         Deslumbrante,
É teu olhar tentador;
Á perdição leva o peito,
Quando se move desfeito
Em torrentes de langor!...

Quem ha, pois, á tua vista,
         Que resista,
Que se não deixe tentar?
Que não deseje contente
'N essa languida torrente
Seus ardores afogar?...

E d'essa negra pupilla,
         Que scintilla
Com tão frouxo scintillar,
Como a luz enfraquecida
De uma lampada esquecida,
Que ninguém veio animar,

Ir no raio desmaiado,
         Com ousado,
Sôfrego, labio colher
De vida tenue parcella,
Qu´essa pupilla tão bella
Em si parece conter?

Resistir a tal encanto
         Nem um santo!
E que santo se esquivar

Ao teu olhar poderia,
Que só a Deus não teria
O mago dom de tentar?!

A seu magnetico lume,
         Mal presume
Que fugir póde, a razão;
Que, na porfiada lida,
Succumbe a alma, vencida
Por tamanha tentação!!

27 de Dezembro de 1851.