Uma Campanha Alegre/II/VIII

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VIII

Janeiro 1872.

Tínhamos já coordenado uma página, tendente a mostrar que a portaria que impunha ao Sr. Alves Branco um silêncio, tão anti-higiénico, sobre o hospital de S.

José, era uma portaria que de longe se parecia com uma torpeza, mas que, vista de perto e mais à luz, positivamente se reconhecia que era um crime!

Os jornais oficiais acodem, porém, a declarar que o sr. ministro assinou a portaria sem a ler! E exaltam a sua dedicação em aceitar a responsabilidade pública daquela distracção burocrática!

É realmente louvável que o sr. ministro sustente, por dignidade, o que assinou por surpresa. Mas seria mais louvável que castigasse a surpresa para desafrontar a dignidade! Porque o introduzir sub-repticiamente, sob a pena ministerial que vai correndo, papéis obscenos, é uma acção cuja índole se parece singularmente com aquela outra tão conh ecida dos tribunais — que consiste em meter sub-repticiamente a mão na algibeira de um semelhante e privá-lo dos seus valores. Roubar uma assinatura oficial para legalizar uma acção particular — não difere inteiramente de roubar uma bolsa alheia para saciar um vício próprio.

Mas houve realmente distracção ministerial? Antes queremos acreditar que o sr. ministro ordenou que se redigisse uma portaria no sentido inteiramente justo de fazer uma inspecção ao hospital, e que os senhores empregados se equivocaram a ponto de a redigir — no sentido de proibir toda a crítica e exame do hospital. Tal se nos afigura este caso imundo.

No entanto parece-nos que, se não der alguma atenção mais aos papéis escritos que lhe passam sob a pena, o sr. ministro se arrisca a empalidecer de surpresa diante de todos os números do Diário do Governo. Estando as secretarias, como é notório, povoadas de vates líricos e outras espécies sentimentais não menos torpes, é possível, oh Deus, que se leiam ainda estas linhas, para sempre infamantes:

«Pela presente portaria fica determinado:

Que não fujam, não findem os dias

Que eu ditoso prelibo a teu lado,

Nunca sói o momento fadado,

Em que eu deva deixar-te e partir...

«Secretaria dos negócios do reino. — O ministro, António Rodrigues Sampaio.»

Enquanto à portaria em si própria, todo o seu castigo está neste facto : declara-se oficialmente que ela foi introduzida enganosamente à assinatura do ministro! O que as Farpas pudessem considerar sobre esse documento — seria apenas a beliscadura débil de uma unha irónica. Aquela declaração é para ela a mordedura fumegante do ferro em brasa.