Saltar para o conteúdo

Versos da mocidade (Vicente de Carvalho, 1912)/Ardentias/Folha solta

Wikisource, a biblioteca livre
FOLHA SOLTA

Eis o ninho abandonado
Dos sonhos do nosso amor...
E’ o mesmo o chão onde oscila
A mesma sombra tranquila
Dos arvoredos em flor.

E’ o mesmo o banco de pedra
Onde assentados nós dois
Falámos de amor um dia...
Lembras-te? Então, que alegria!
E que tristeza depois!...

Falámos de amor... E sobre
Minh’alma arqueava-se o azul
Do teu olhar transparente
Como o ceu alvorecente
Das nossas manhãs do sul.

Quanta loucura sonhámos!
Quanta ilusão multicôr!
Quanta rizonha esperança
Nessas almas de criança
Iluminadas de amor!



Quando eu partia, chorámos...
Toda a alma se me desfez.
Cada lagrima caída
Era uma folha da vida
Que eu desfolhava a teus pés.

Então amavamos tanto!
Tanto esquecemos apóz!
E de mjnh’alma, alto e dôce,
Foi-se afastando... e calou-se
O ultimo som de tua voz...

Passaram-se os anos — sombras
Que iam crescendo em redor
Daquele sol afundado
Nos abismos do passado:
— A estrela do nosso amor.

Hoje volto... E’ tudo o mesmo
Que quando amámos aqui:
Sombra, passaros, fragrancia,
Tudo me fala da infancia,
Tudo me fala de ti.

Abril dezenrola em torno
Seu esplendor festival;
Tudo é jubilo... No emtanto
Não mesclas teu doce encanto
A este encanto matinal.

Não voltas, pomba emigrante,
Ao ninho de onde se ergueu
Teu vôo, abrindo caminho
Em busca de um outro ninho
Sob o azul de um outro ceu...

Encontro o ninho dezerto;
Volto, o seio imerso em dor,
Em pranto os olhos submersos...



E aqui deixo nestes versos
O ultimo sonho de amor.