Viagem ao norte do Brasil/I/XXXVI

Wikisource, a biblioteca livre

CAPITULO XXXVI

Dos astros e do sól.


É bello e magnifico o Ceo, n’esta zona tórrida, embora pareça muito menos estrellado do que na Europa, isto é, não apparecem tantas estrellinhas fixadas na abobada azulada d’aquelle como acontece na do nosso, pois no Maranhão ha estrellas maiores e brilhantes, e mais luzentes do que aqui.

Não me convenço de lá não haverem menos estrellas do que aqui, antes esta falta, que noto, attribuo á minha vista, e por mais esta razão.

Todos os que habitam fóra dos dois solsticios, Cancer e Capricornio, olham obliquamente o centro do ceo, que é a linha ecliptica ou zona tórrida, onde passa o sol, e por tanto tem maior horisonte, ou maior espaço do ceo a contemplar, e menos numero de estrellas a contar.

É pela experiencia confirmada esta razão, porque nasce e deita-se o sol, sem preceder aurora, e assim acaba o dia e começa a noite, e si ha tarde ou manhã é quasi nada.

Na Europa acontece o contrario, pois algumas vezes temos mais de duas horas de tarde, e outras tantas de manhã, antes do nascimento e do occaso do sol, porque os habitantes da zona tórrida estão na esphéra direita e nós outros na obliqua.

Ainda acrescento outra experiencia.

Quando regressamos de Maranhão para cá, no Polo Septentrional, descubrimos mais depressa a estrella d’este Polo, do que quando na nossa viagem para lá descobrimos a estrella do Cruzeiro embora mais elevada do que o Polo Antarctico ou Austral.

Ainda fiz outra observação n’este planeta do Sol, é que mostra dois meios-dias diversos entre os dois termos do anno, de sorte que n’uma metade do anno, olhando o Este está á direita, isto é, na parte austral, e no resto do anno a esquerda, isto é, na parte septentrional, e em ambos elles ha pouca sombra. O sol no zenith somente duas vezes no anno olha para esta terra, como succede a todas as regiões contidas nos dois solsticios: algumas vezes está tão perto da esphera direita, que pouco falta para chegar ao meio dia, e ferir-vos a prumo o cume da cabeça.

Comtudo isto destinguem-se perfeitamente ambos estes meios-dias.

Explica-se isto por ser preciso cortar duas vezes, annualmente, o sol quando no zenith, a zona tórrida, como já disse, para fazer os solsticios de Cancer e Capricornio, e por tanto os habitantes da zona tórrida o vêem fazer o seo meio-dia ora de um lado, ora de outro: por exemplo: quando sahe do Capricornio afim de encaminhar-se para Cancer, os brasileiros habitantes da zona tórrida observam o seo meio-dia á direita e quando deixa Cancer com direcção á Capricornio vêem-no á esquerda.

Abre-se-me vasto campo para descobrir a sabedoria de Deos na organisação do mundo, tendo por fim apenas escrever succintamente uma historia, entrego á consideração do leitor chamando a sua attenção para a maneira como Deos dividio o curso do sol em duas extremidades e um meio, recebendo os habitantes de todas estas tres partes a mesma luz durante o anno, tanto uns como outros, excepto os habitantes de Cancer, que apenas tem durante o anno tres dias e algumas horas de sol mais do que os de Capricornio, originando-se por isso os annos bissextos e a reforma do calendario, como vamos explicar.

Principiemos pelo meio-dia, e acabemos pelas extremidades.

O meio é composto de duas extremidades, equidistantes uma da outra, porque de outra forma não seria meio.

O curso do Sol se faz em 24 horas, dia natural, e em 12 mezes por anno.

Ora sendo a zona tórrida o meio do curso diario e annual do sol, é indispensavel, que na sua terceira parte e porção mostre diaria e annualmente á luz do sol igual a que se apresenta nas duas extremidades, o que não poderia fazer; si os dias não fossem iguaes, tendo cada um 12 horas de Sol, porque, si excedessem ainda que pouco, não seria o meio do curso do sol, e sim cahiria mais para uma das duas extremidades, tendo, durante 12 mezes, uns dias maiores do que outros, compensando n’uns o que n’outros perdia, e convindo por isso marcar-se outra zona de céo, que fosse o meio e o centro d’esse curso, sendo o meio a essencia e a base das duas extremidades.

É impossivel imaginar-se dois extremos sem meio: como ja disse, o meio é composto de duas extremidades, e por isso sendo a zona tórrida o meio da carreira do sol, deve ter sua porção de luz á custa das duas extremidades, que são dose e dose, que dá o sol igualmente para os dois solsticios, entre as duas partes do anno, recompensando n’um tempo o que n’outro perdeo.

Consideremos agora uma terceira porção para servir de meio d’estas duas extremidades, dose á dose.

Convem tomar 12 de uma parte e 12 de outra para ser o todo igual: comprehendereis assim facilmente como esta zona tórrida gosa igualmente com as outras partes do mundo da luz do sol sem mudar seo numero de seis a seis em tempo algum, porque partecipa igualmente das duas extremidades, quer vá o sol visitar Cancer e seos habitantes dando-lhe com a sua boa chegada mais largura e liberalidade de luz, quer vá fazer outro tanto no Capricornio, não lhe sendo por isso de forma alguma importuna a zona tórrida, e nem alteando o seo imposto ordinario, fazendo-lhe pagar somente, seis horas da manhã, e seis depois do meio dia, a luz e calor para a sua passagem da travessia da terra, e pelo trabalho dos seos habitantes durante a sua vinda.

Quanto ás terras e aos habitantes inter e extra-tropicaes dividem entre si igualmente, pouco mais ou menos, em diversos tempos, a luz do sol, e por compensação mais n’um tempo do que em outro: no fim do anno acham que cada um teve 12 horas de luz para um dia natural, e dose mezes por anno.

Já disse que os habitantes de Cancer, dentro e fóra do seo Tropico, gosam mais tres dias do sol do que os outros.

Dar a razão natural d’isto, e o que dizem os astrologos, é o mesmo que nada, por ser segredo, que em si guardou a divina Providencia, e uma honra que deo ao mundo antigo, composto d’Asia, Africa e Europa, e si basta uma razão allegorica, sou de opinião que é para fazer sobresahir tres privilegios especiaes, que sobre o mundo velho alcançou o novo, e que são — a primeira habitação do homem expellido do Paraiso Terrestre; dadiva da lei escripta á Moysés; e a redempção do mundo por Jesus Christo.