Vida do Padre José de Anchieta/III/III

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Pescarias - profecias das pescarias[editar]

Houve um dia neste Colégio da Bahia falta de peixe, e os pescadores da rede vieram sem nada. O Padre José chamou ao moço que era mestre da rede, e levou-o a uma janela do Colégio, e dali lhe mostrou certo lugar em distância de légua, na barra chamada Pirajá, dizendo que fosse lá lançar a rede e trouxesse peixe para os padres.

Assim o fez e tomou grande soma de tainhas, e trouxe para casa. E era comum prática entre os índios, que quando o padre se achava nas aldeias, quando queriam fazer boa pescaria, perguntassem primeiro ao padre onde a iriam fazer, porque no lugar onde o padre apontava, ali lhe sucedia bem, ainda que fora da conjunção da maré e tempo.

Um homem português indo deitar uma rede, pediu a bênção ao Padre José, que acertou de encontrar no caminho; e com ele fez um laço extraordinário, o que atribuiu às orações ao Padre.

Diz os lanços aos pescadores - profecia - Aires Fernandes[editar]

O padre reitor do Rio de Janeiro, mandou um irmão com índios a fazer uma pescaria, para provimento do Colégio, a uma lagoa chamada de Maricá, aos quais acompanhou o Padre José, assim para se dar mais a Deus, desocupado de negócios, como para lhes dizer cada dia missa.

Perguntava aos índios pescadores que casta de peixe queriam tomar, e respondendo eles tal ou tal casta, ele os encaminhava a certos postos, aonde tomavam aquela sorte de peixe, e às vezes em tanta quantidade, que levantavam a rede para que se não rompesse com o grande peso dos peixes; e isto sem nunca até então ter ido àquela lagoa, nem Ter notícias de tais postos. Estando o padre nesta pescaria, um grande amigo seu lhe escreveu, quisesse ir ver a outro seu amigo, por nome Aires Fernandes, que estava muito mal. Esta carta trazia um preto de Guiné, escravo daquele homem, e no caminho correu muito risco de vida, por causa das muitas onças que há naquela paragem.

Antes que o preto chegasse com a carta, estando o padre ceando com seu companheiro, guardou uma posta do peixe que ceavam; pediu-lh’a o companheiro, respondeu:

“Deixai-a guardar para quem o há mister mais que vós”.

E pondo-se em oração, disse:

“Encomendemos a Deus, um pobre que está em perigo”.

E daí a duas horas chega o escravo com a carta, fazendo grande escuro, com muito frio e chuva. O padre lhe deu o peixe que guardara, e sem ler a carta, fazendo grande escuro, com muito frio e chuva. O padre lhe deu o peixe que guardara, e sem ler a carta, nem o preto ter falado, disse o que nela vinha. Acudiu então o irmão:

“Pois, padre, vamos”.

Respondeu o padre:

“Mais o hei-de ajudar de cá que de lá”.

No dia seguinte disse missa pelo doente, a qual acabada perguntou o irmão: “Aires Fernandes, morre ou vive?”

E respondeu o padre:

“Mal há de passar, mas escapa desta”.

E assim foi que viveu depois muitos anos.

Manda pescar fora de tempo[editar]

Achando-se o padre um dia na aldeia do Espírito Santo, distrito da Bahia, disse aos índios:

“Como está tão calada e triste esta aldeia?”

Responderam:

“Porque não há que comer”.

A que o padre acudiu:

“Pois vamos todos à praia, a buscá-lo”.

Disseram eles:

“Não é agora conjunção de tempo, nem de maré”.

“Contudo vamos todos, e não fique ninguém, porque todos virão contentes”.

Foi o padre com toda a aldeia, e saindo à praia, acharam a maré quase cheia; disseram então os índios:

“Vedes, padre, que não é conjunção para pescar”.

Disse então o padre:

“Que peixe quereis tomar?”

Responderam:

“Garamirim”. Xaréos pequenos, que são pouco mais de palmo. E isto diziam zombando, porque este peixe não corre naquele tempo, senão dali alguns meses.

Apontou o padre pela praia, adiante, que fossem dali quase a um quarto de légua, e tomassem quanto quisessem; foram, e com suas redinhas e à mão, tomaram com muita facilidade daquela casta de paixe, quanto quiseram; e espantados do caso, deram muitos louvores a Deus.

Os índios se encomendavam em suas orações[editar]

Por esta e outras maravilhas, que Nosso Senhor obrava pelo Padre José até os índios lhe tinham tal respeito, que quando falavam nele, falavam como de homem que tinha poder sobrenatural. E assim diziam: “aquele padre que nos dava o peixe que nós queríamos, e nos livrara da morte e dos perigos quando lh’o íamos pedir”.

Porque, quando o padre estava em alguma aldeia, os índios havendo de ir à caça, ou a outra parte, primeiro iam ter com ele e lhe diziam: “Padre, eu vou a tal parte, dize que não morra eu lá, e que ache o que vou buscar, e que torne com bem para minha casa, e que me não morda alguma cobra”. E com a resposta do padre iam muito contentes, e se davam por seguros de todo o perigo, e certos de todo bom sucesso.

Profecias - Pe. Manuel de Couto - Que havia de chover[editar]

Acerca de chuva referirei duas profecias, encontradas no efeito de chover, e não chover, que bem mostram como suas palavras de coisas futuras, não eram singelas profecias, mas efeito das eficazes orações do Padre José. Juram em seus testemunhos estes casos, cada um o seu, o Padre Manuel de Couto, e o Padre Pero Leitão.

O primeiro: na Capitania do Espírito Santo, onde estão estava o santo Padre José, não choveu um ano, da quaresma até o fim do mês de agosto; deu ordem o padre de como se fizesse uma procissão, que se fez um Sábado, véspera de Santo Agostinho, fazendo boa calma.

Estava na vila uma bandeira nova da misericórdia, que um homem levava para a Capitania de São Vicente; pediram-lh’a para ir na procissão, e dando-se por seguro que se não molharia, a deu. A que o Padre José disse, como por graça: “vá ela, que boa há de vir!”. Começou a procissão com tempo sereno, e quando chegou à Igreja matriz começou a chover; e, à volta para a nossa casa, foi tanta a chuva que não podiam vir pela rua com água, e a bandeira vinha toda molhada, como o Padre José tinha profetizado.

Do caminho enxuto, chovendo[editar]

A Segunda profecia ou milagre. No ano de mil quinhentos e oitenta e quatro, acabada aquela pescaria de que neste capítulo fiz menção, e ainda em outros faremos, era tempo de se recolherem para o Colégio; mas primeiro haviam de ir à aldeia de São Barnabé que estava dali três léguas; mandou o Padre José se fizessem prestes para o dia seguinte.

E vendo seu companheiro que toda aquela tarde chovera muito, e continua por toda a noite, disse ao Padre José:

— “Bom tempo escolheu V. R. para a jornada”.

Respondeu:

— “Assim fôssemos nós bons como Deus tem cuidado de nós, porque não somente nos não há de chover amanhã, mas nem agora chove no caminho por onde havemos de caminhar amanhã”.

Partiram ao dia seguinte para a aldeia, e acharam todo o caminho de três léguas, enxuto, sem lhe chegar água em distância de quinze passos por uma banda outros quinze por outra, da qual maravilha deram a Deus muitas graças, com admiração do seu servo.

A este lugar pertencia aquela grande maravilha da nuvem carregada de água, que esteve em cima do teatro por espaço de três horas, sem a deitar, enquanto se representava uma obra tão devota que durou mais de três horas; mas já fica escrita no livro primeiro, no fim do capítulo nove.