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Vida do Padre José de Anchieta/IV/IV

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Do barril de azeite

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Coisa muito celebrada foi, nesta Província do Brasil, o barril de azeite da casa de São Vicente, o qual por mais vezes que o esgotavam, sempre achavam que tirar, como fonte de pouca água que, em tempo de grande seca, o povo à noite a deixa sem água, e quando vem pela manhã sempre lhe acham alguma. O caso foi este. Sendo o Padre José superior das casas de São Paulo e de São Vicente, na qual residia, sucedeu haver em toda a Capitania falta de azeite, de modo que somente havia um pouco na casa de São Vicente, em um barril ou quarto de dois em pipa. Do qual se provia a casa para comer, e as lâmpadas das Igrejas de ambas as casas, para se alumiar o Santíssimo Sacramento, e além disto os pobres que o vinham pedir para suas necessidades.

O azeite ia minguando, e o Irmão Antônio Ribeiro, que era dispenseiro, ia cada vez empinando mais o quarto até que de todo o deu por acabado, e pedia ao Padre José lh'o deixasse tirar dali para servir de outra coisa. Mas o padre lhe disse que não tirasse do lugar onde estava empinado, antes gastasse dele, e desse aos pobres, porque Deus era pai de misericórdia e o acrescentaria. O irmão assim o fez, por todo aquele tempo que foi um ano ou dois, que não houve azeite na terra, provendo dele as lâmpadas e pobres de toda a Capitania; e cuidando muitas vezes o irmão que o deixava sem gota de azeite, contudo quando tornava, sempre achava quanto bastava para aquela presente necessidade, entendendo todos os que sabiam do caso, que Deus o acrescentava, por orações do Padre José, como se via claramente.

Estando a terra neste aperto de falta de azeite, chegou a nau dos Erasmos, senhores do engenho de São Jorge, situado na dita Capitania, dos quais em outro lugar se tocou, e nela vinha uma pipa de azeite, que aqueles senhores mandavam de esmola aos padres. E tanto que a pipa entrou na dispensa, logo se acabou de todo o azeite do quarto. Do que todo o povo deu muitas graças a Deus, assim por durar o azeite tanto tempo, como por se acabar naquela conjunção.

De uma tormenta

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Vindo uma vez o Padre José da Vila de São Paulo, para a de São Vicente, estando no alto da serra para a começar de descer, deixa-se vir uma tão escura cerração, que sendo de dia se não viam uns aos outros, e se armou juntamente tão espantoso chuveiro que, se lhes chegara, corriam todos risco das vidas.

Rogou então o padre a Nossa senhora, que lhes valesse em tão grande perigo, e logo de improviso se lhes abriu a cerração pelo meio, e se lhes descobriu um caminho por onde desceram abaixo, e se agasalharam em uma choupana. Nisto sucedeu outro perigo da chuva, o restante daquele dia e noite seguinte, e ao outro dia, que foi necessário ao padre valer-se outra vez da gloriosa Virgem, e pedir-lhe desse tempo para poder chegar a São Vicente, como de feito lh'o alcançou a Mãe de Misericórdia e piedade.

Outra tormenta

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No ano de mil quinhentos e oitenta e cinco, vindo do Rio de Janeiro para a Bahia o padre Cristóvão de Gouveia, segundo visitador geral desta Província, e com ele o Padre José e outros religiosos, lhes deu uma tão grande tormenta, que os ia lançar à costa nos arrecifes, e todos, até a gente do mar, se davam já por perdidos, e assim deixavam de marear o navio.

Os padres debaixo da tolda, se estavam aparelhando para bem morrer, confessando-se uns aos outros. Porém o Padre José estava em cima da coberta, em pé, pegado às cordas do navio, com os olhos no céu, fazendo seu ofício de rogar a Deus pelo remédio e vidas de todos.

Neste comenos chegou a ele um irmão, pedindo-lhe o ouvisse de confissão. Respondeu-lhe: "não é agora necessário". Acudiu o irmão: "Por quê? Não se há de perder o navio?" Respondeu o padre: "Não". Secundou o irmão, para se afirmar mais na resposta: "Havemo-nos de afogar, havemos de morrer?" Aqui o padre então, como agastado, levantou algum tanto a voz, dizendo que não. Ao que o irmão disse: "Pois vou lá abaixo, a dizer isso aos padres, que estão mui atribulados" — "Deixai, não vades; que se perde em chamarem a Deus?" Aquietou-se então o irmão e se foi deitar sobre um caixão, bem seguro e descansado pelo que ouvira ao Padre José. E de fato, quebrou a fúria da tormenta e o mar sossegou, e deram todos graças a Deus, por se verem livres da fúria do mar e da garganta da morte.