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Demônio Familiar/IV

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Em casa de EDUARDO. Sala de visitas.

CENA PRIMEIRA

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EDUARDO, HENRIQUETA, CARLOTINHA, PEDRO

(CARLOTINHA na janela; PEDRO sacudindo os tapetes.)

CARLOTINHA (baixo, a PEDRO) – Não passará ainda hoje?

PEDRO – Não sei, nhanhã.

CARLOTINHA – Está doente?... Zangado comigo?... Por quê?

PEDRO – Não se importe mais com ele! Há tanto moço bonito! Sr. Azevedo... (PEDRO vai colocar o tapete e sai.)

CENA II

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EDUARDO, HENRIQUETA, CARLOTINHA

EDUARDO – Quando eu lhe digo que espere, Henriqueta, é porque estou convencido de que há um meio de desfazer esse casamento sem a menor humilhação para seu pai.

HENRIQUETA – E esse meio qual é?

EDUARDO – Não lhe posso dizer; é meu segredo.

HENRIQUETA – Ah! Tem segredos para mim?

EDUARDO – É injusta fazendo-me essa exprobração, Henriqueta. Se não lhe falo francamente, é porque não desejo que partilhe, ainda mesmo em pensamento, os desgostos, as contrariedades que eu há um mês tenho sofrido para conseguir esse meio de que lhe falei.

HENRIQUETA – Mas, Eduardo, uma parte dessas contrariedades me pertence, e por dois títulos; porque se trata de mim, e porque nos... estimamos!

EDUARDO – Porque nos amamos: é verdade! Mas nessa partilha igual que fazem duas almas da sua dor e do seu prazer, há a diferença das forças. À mulher cabe a parte do consolo, ou da ternura; ao homem, a parte da coragem e do trabalho.

HENRIQUETA – Então eu não tenho o direito de fazer também alguma coisa para a nossa felicidade?

EDUARDO – Não disse isto! Faz muito!

HENRIQUETA – Como? Se toma para si tudo e não me quer deixar nem mesmo a metade dos cuidados?

EDUARDO – E quem me dá força para prosseguir e a fé para trabalhar? Não são esses momentos que todos os dias passamos juntos aqui ou em sua casa?

HENRIQUETA – Assim, não me quer dizer qual é essa esperança?

EDUARDO – Não desejo afligi-la com ideias mesquinhas. Os homens inventaram certas coisas, como os algarismos, o dinheiro e o cálculo, que não devem preocupar o espírito das senhoras.

HENRIQUETA – Porque somos nós tão fracas de inteligência?...

EDUARDO – Não é por isso; é porque tiram-lhes o perfume e a poesia.

HENRIQUETA – Isso é muito bonito, mas não me diz o que desejo saber.

EDUARDO – O quê?

HENRIQUETA – O meio por que há de fazer o meu casamento.

EDUARDO – Ainda insiste; pois bem, hoje mesmo lhe direi.

HENRIQUETA – Sim?

EDUARDO – Talvez daqui a uma hora.

CARLOTINHA – Mano, aí entrou uma pessoa, que julgo procurar por você.

EDUARDO – Há de ser naturalmente o negociante que espero.

CENA III

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Os mesmos, PEDRO

PEDRO – Está ai o homem que escreveu aquela carta; quer falar ao senhor.

EDUARDO – Mandao entrar para o meu gabinete.

PEDRO (baixo, a CARLOTINHA) – Nhanhã Carlotinha está triste!... Hi!...

EDUARDO – Até logo, Henriqueta.

HENRIQUETA – Já! Que vai fazer?

EDUARDO – Concluir um pequeno negócio; ao mesmo tempo realizar um pensamento que me foi inspirado pelo nosso amor.

HENRIQUETA – Como?

EDUARDO – Quero solenizar a nossa felicidade, Henriqueta, exercendo um dos mais belos direitos que tem o homem na nossa sociedade.

HENRIQUETA – Qual?

ÊDUARDO – O direito de dar a liberdade!

HENRIQUETA – Não entendo.

EDUARDO – Dir-lhe-ei tudo logo.

HENRIQUETA – Volte, Sim?

EDUARDO – Demorar-me-ei apenas o tempo de assinar um papel e escrever algumas linhas.

CENA IV

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HENRIQUETA, CARLOTINHA

HENRIQUETA – Sabes, Carlotinha, tenho uma queixa de ti.

CARLOTINHA – De mim? Que te fiz eu, má?

HENRIQUETA – Há um mês espero que tu me contes uma coisa, e ainda não me disseste uma palavra.

CARLOTINHA – De quê? Não sei.

HENRIQUETA – Do teu segredo; não te confiei o meu?

CARLOTINHA – Ah! Quem te disse?

HENRIQUETA – Eduardo.


CARLOTINHA – Não acredites, ele estava gracejando. HENRIQUETA – Não, tu amas, Carlotinha, e nunca me falas dos teus sonhos, de tuas esperanças. Não sou eu mais tua amiga?

CARLOTINHA – Pois duvidas?

HENRIQUETA – Se fosses, não me ocultarias o que sentes.

CARLOTINHA – Não te zangues; eu te contarei tudo, mas custa tanto falar dessas coisas!

HENRIQUETA – Com aqueles que nos compreendem é um prazer bem doce.

CARLOTINHA – Olha, o meu segredo... Porém não sei como hei de começar isto!

HENRIQUETA – Começa pelo nome. Como ele se chama?

ÇARLOTINHA (confusa) – Alfredo.

HENRIQUETA – Este moço que teu mano nos apresentou?

CARLOTINHA – Sim. Todas as manhãs, faça bom ou mau tempo, passa por aqui ao meio-dia; quase nem olha para esta janela, donde eu o espero escondida entre as cortinas, ninguém nos vê, mas nós nos vemos.

HENRIQUETA – Depois?

CARLOTINHA – À noite vem visitar-nos, como tu sabes; todo o tempo conversa com mamãe, ou com mano enquanto tu e eu brincamos no piano. À hora do chá sentamo-nos juntos; ele diz que me viu de manhã, eu respondo que estava distraída e não o vi. Às vezes...

HENRIQUETA – Acaba, não tenhas vergonha. Eu também amo.

CARLOTINHA – Pois sim. Às vezes nossas mãos se encontram sem querer; ele fica pálido, e eu corro toda trêmula para junto de ti. Daí a pouco são dez horas, todos se retiram: então chego à janela e sigo-o com os olhos, até que desaparece no fim da rua.

HENRIQUETA – E é este todo o teu segredo?

CARLOTINHA – Todo.

HENRIQUETA – Parece-se com o meu: ver-se de longe, trocar um olhar, amar em silêncio. Há só uma diferença.

CARLOTINHA – Qual?

HENRIQUETA – Tu és feliz, porque és livre, enquanto eu...

CARLOTINHA – Tu és correspondida, Henriqueta; Mano Eduardo te ama!

HENRIQUETA – E Alfredo, não te ama?

CARLOTINHA – Não sei, tenho medo; há quatro dias que não o vejo. Levo a contar as horas.

HENRIQUETA – Donde procede esta mudança? Fizeste-lhe alguma coisa?

CARLOTINHA – Eu?... Se procuro adivinhar os seus pensamentos!

HENRIQUETA – Entretanto, deve haver um motivo...

CARLOTINHA – Tenho querido me recordar, e só acho este. No domingo veio passar a manhã aqui; eu o deixei um momento para te escrever e voltei logo. Quando chamei Pedro para levar-te a carta; ele levantou-se de repente, despediu-se de mamãe, cumprimentou-me friamente, e desde então não o tenho visto. Ficou zangado comigo por ter saído um momento de junto dele.

HENRIQUETA – Não faças caso, isso passa. Hoje mesmo ele virá arrependido pedir-te perdão. Mas, a propósito da carta que me escreveste domingo, eu trouxe-a mesmo para brigar contigo, travessa! (Tira a carta.)

CARLQTINHA – Por quê? Pela sobrescrita?

HENRIQUETA – Essa é uma das razões. Para que escreveste "Madame Azevedo?" Não sabes que essa ideia me mortifica?

CARLOTINHA – Desculpa, foi um gracejo.

HENRIQUETA – Além disso, não tinhas outra pessoa por quem mandar a carta, senão ele?

CARLOTINHA – Ele quem? O Azevedo?

HENRIQUETA – Sim; foi ele que ma entregou.

CARLOTINHA – Mas não é possível; eu a mandei por Pedro; e recomendei-lhe que não a mostrasse a ninguém, mesmo por causa da sobrescrita!...

HENRIQUETA – Não compreendo, então, como foi parar nas mãos desse homem. Tive um desgosto... e um medo!... Tu falavas de Eduardo!

CARLOTINHA – Espera, vou perguntar a Pedro que quer dizer isto! (Na porta) Pedro!...

HENRIQUETA – Deixa, não vale a pena.

CARLOTINHA – Não, é muito mal feito.

CENA V

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Os mesmos e PEDRO

PEDRO – Nhanhã chamou?

CARLOTINHA – Quero saber como é que a carta que eu lhe dei para Henriqueta foi parar em mão do Sr. Azevedo.

PEDRO – Ele me encontrou na rua, e tomou para entregar.

CARLOTINHA – Não te disse que não queria que ninguém visse a sobrescrita?

PEDRO – Ele é noivo de sinhá Henriqueta: não faz mal.

HENRIQUETA – Está bom; não pensemos mais nisto.

CARLOTINHA – Não quero que outra vez suceda o mesmo. (A PEDRO) Entendeste?

PEDRO – Sim, nhanhã. Pedro sabe o que faz! (Batem palmas.)

CARLOTINHA – Que quer dizer?

CENA VI

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HENRIQUETA, CARLOTINIIA, AZEVEDO, PEDRO, no fundo

HENRIQUETA, – Há de ser ele.

CARLOTINHA – Alfredo! Ah! Se fosse...

HENRIQUETA – Queres apostar?

CARLOTINHA – Ora, é o Azevedo. Eu logo vi!

AZEVEDO – Como passou, D. Carlotinha? D. Henriqueta?

CARLOTINHA – O senhor parece que adivinha, Sr. Azevedo?

AZEVEDO – Por quê?! Por encontrá-la hoje tão bela? Está realmente éblouissante!

CARLOTINHA – Faça-se de esquerdo! A minha beleza serve de pretexto para elogiar a de Henriqueta!

AZEVEDO – A senhora quer dizer o contrário...

CARLOTINHA – Quer dizer que o senhor adivinhou quem estava aqui hoje.

AZEVEDO – Quem?... Não vejo ninguém.

CARLOTINHA – Nem a sua noiva? Era esta palavra que o senhor queria ouvir!

AZEVEDO – Sim, era esta palavra que eu desejava ouvir dos seus lábios.

CARLOTINHA (baixo, a HENRIQUETA) – Que fátuo! (Alto) Vem, Henriqueta; vamos chamar mamãe para falar ao Sr. Azevedo.

AZEVEDO – Então, deixa-me só?

HENRIQUETA – Oh! Um homem como o senhor pode ficar só? Paris inteiro lhe fará companhia!

CARLOTINHA – Suponha que está no Boulevard dos Italianos.

AZEVEDO – Não. Mas conversarei com esta flor; ela me dirá em perfumes, o que os lábios que a bafejaram recusaram dizer em palavras.

CARLOTINHA – Como está poético! Aquilo é contigo, Henriqueta.

HENRIQUETA – Comigo, não! É com quem lhe mandou a violeta! Vamos! Pois, Sr. Azevedo, nós o deixamos no seu colóquio amoroso.

CENA VII

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AZEVEDO, PEDRO

AZEVEDO – Foge-me!...

PEDRO – Como vai paixão por nhanhã Carlotinha, Sr. Azevedo? Flor já está na dança!

AZEVEDO – Queria mesmo te falar a este respeito! Não entendo tua senhora. Tu dizes que ela gosta de mim et pourtant...

PEDRO – Parlez-vous français, monsieur?

AZEVEDO – Ela faz que não me compreende! Trata-me com indiferença.

PEDRO – Pudera não! O senhor vai se casar.

AZEVEDO – Ah! Tu pensas que é esta a razão!

PEDRO – Nhanhã mesmo me disse! Moça solteira não pode receber corte de homem que é noivo de outra mulher! É feio, e faz cócega dentro de coração; cócega que se chama ciúme!

AZEVEDO – Então é o meu casamento que impede!... E nem me lembrava de semelhante coisa! Com efeito, Henriqueta é sua amiga; ela julga talvez que a amo.

PEDRO – Mas isto não quer dizer nada. Ela gosta de V.M.ce, gosta muito! Ontem, quando mandou essa violeta que o senhor tem na casaca, beijou primeiro.

AZEVEDO – E foi ela mesmo quem se lembrou de mandar-me?

PEDRO – Ela mesma, sem que eu pedisse nada!

AZEVEDO – Bem; eu sei o que me resta a fazer.

PEDRO – Já vai? Não espera por sinhá velha?

AZEVEDO – Não, eu já volto. E, preciso tomar uma resolução: il le faut!

PEDRO – Monsieur está pensando!

AZEVEDO – Diz a D. Carlotinha... Não, não lhe digas nada! Eu quero ser o primeiro a anunciar-lhe.

CENA VIII

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PEDRO, JORGE

PEDRO – Oh! Já voltou do colégio? Agora mesmo deu meio-dia.

JORGE – Tive licença para sair mais cedo.

PEDRO – Nhonhô já sabe novidade?

JORGE – Que novidade?

PEDRO – Novidade grande! Sr. moço Eduardo vai casar com nhanhã Henriqueta!

JORGE – Ah!... E o noivo dela?

PEDRO – Sr. Azevedo? Casa com nhanhã Carlotinha.

JORGE – Mana?... E Sr. Alfredo?

PEDRO – Fica logrado. Para rematar a festa, velho Vasconcelos casa com sinhá velha.

JORGE – É mentira!

PEDRO – Há de ver!

JORGE – Então tudo se casa?

PEDRO – Tudo, tudo. Nhonhô também carece ver uma meninazinha bonita... Mas V.M.ce ainda não sabe namorar!...

JORGE – Eu não!

PEDRO – Pois precisa aprender, que já está franguinho. Pedro ensina.

JORGE – E tu sabes?

PEDRO (rindo-se) – Ora!... Nhonhô pede dinheiro a mamãe e compra luneta.

JORGE – Para quê?

PEDRO – Sem isto não se namora. Quando nhonhô tiver luneta, prende no canto do olho, e deita para a moça. Ela começa logo a se remexer e a ficar cor de pimentinha malagueta. Então rapaz fino volta as costas, assim como quem não faz caso; e moça só espiando ele. Dai a pouco, fogo, luneta segunda vez; ela volta a cara para o outro lado, mas está vendo tudo! Nhonhô deixa passar um momento, fogo, luneta terceira vez; ai moça não resiste mais, cai por força, com o olho requebrado só, namoro está ferrado. Rapaz torce o bigodinho... Mas V.M.ce não tem bigode!...

JORGE – Olha! Não tarda nascer!

PEDRO – Qual! Está liso como um frasco!

JORGE (ouvindo entrar) – Quem é?

PEDRO – Velho tabaquista!

JORGE – Que vai casar com mamãe.

PEDRO – Psiu! Não diga nada, não!

CENA IX

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PEDRO, VASCONCELOS, JORGE

VASCONCELOS – Onde está esta gente! Henriqueta fica para jantar?

PEDRO – Sim, senhor; nhanhã Carlotinha não quer deixar ela ir.

JORGE (saindo) – Eu vou chamá-la!

VASCONCELOS – Não precisa. (A PEDRO) Dize-lhe que à tarde virei buscá-la.

PEDRO – V.M.ce vai para casa?

VASCONCELOS – Não; por que perguntas?

PEDRO – Porque Sr. Azevedo saiu daqui agora mesmo para ir falar a V.M.ce.

VASCONCELOS – Sobre quê? Alguma coisa de novo?

PEDRO – Negócio importante. Pedro não sabe; mas ele parecia zangado.

VASCONCELOS – Ora, que me importam as suas zangas.

PEDRO – Senhor não deve mesmo se importar; esse Sr. Azevedo tem uma língua... Sabe o que ele disse?

VASCONCELOS – Não quero saber.

PEDRO – Disse a Sr. moço Eduardo, a casa estava cheia de gente, disse que Sr. Vasconcelos é um... nome muito ruim!

VASCONCELOS – Um que, moleque?

PEDRO – Um pinga!

VASCONCELOS – Hein!... Não é possível!

PEDRO – Ora! Aquele moço não tem respeito a senhor velho. (Faz uma careta.)

VASCONCELOS – Pois hei de ensinar-lhe a ter.

PEDRO – Precisa mesmo, para não andar enchendo a boca de que comprou filha de senhor com seu dinheiro dele.

VASCONCELOS – Comprou minha filha! Ah, miserável! (Batem palmas.)

PEDRO – Pode entrar.

CENA X

Os mesmos e ALFREDO

PEDRO (a ALFREDO) – V.M.ce espere, vou chamar Sr. moço Eduardo.

ALFREDO – Sim, dize-lhe que desejo falar-lhe com instância.

VASCONCELOS (a PEDRO) – Há muito tempo que ele saiu?

PEDRO – Sr. Azevedo?... Agora mesmo.

VASCONCELOS – Vou à sua procura. Preciso de uma explicação.

CENA XI

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PEDRO, ALFREDO

PEDRO – O velho vai deitando azeite às canadas! Noivo da filha virou de rumo e agora só quer casar com nhanhã Carlotinha.

ALFREDO – Oh! Ele pode desejar todas as mulheres, é rico!

PEDRO – Não sei também; essas moças... têm cabecinha de vento; um dia gostam de um, outro dia gostam de outro. Nhanhã, que esperava todo o dia para ver Sr. Alfredo passar, nem se lembra mais; escreveu aquela carta a Sr. Azevedo!

ALFREDO – Se não fosse essa carta, eu ainda duvidava!...

PEDRO – V.M.ce bem viu, no domingo, ela me dar à sua vista, e eu entregar na rua a ele, a Sr. Azevedo.

ALFREDO – Sim; e foi preciso ver seu nome escrito!... Quem diria que tanta inocência e tanta timidez eram o disfarce de uma alma pervertida! Meu Deus! Onde se encontrará nestes tempos a inocência, se no seio de uma família honesta ela murcha e não vinga!

PEDRO – Ora, Sr. Alfredo, tem tanta moça bonita! Pode escolher!

ALFREDO – Vai prevenir a Eduardo!

CENA XII

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Os mesmos, CARLOTINHA, HENRIQUETA

CARLOTINHA – Ah! Ele está aí!...

HENRIQUETA – Não te disse? Já volto.

CARLOTINHA – Queres deixar-me só com ele! Não, eu te peço.

PEDRO (a ALFREDO) – Nhanhã! Como ela está alegre!

ALFREDO – É por ele! (Cumprimenta.)

CARLOTINHA (a HENRIQUETA) – Nem me fala! Que ar sério!

HENRIQUETA – É, talvez, por minha causa.

CARLOTINHA – Não, fica.

PEDRO (a CARLOTINHA) – Agora é que nhanhã deve ensiná-lo; e não fazer caso dele! (Sai.)

CARLOTINHA (a HENRIQUETA) – Nem me olha!

HENRIQUETA – Com efeito, ele tem alguma coisa que o mortifica.

CARLOTINHA – Se eu lhe falasse!...

HENRIQUETA – É verdade, dize-lhe uma palavra.

CARLOTINHA – Oh! Não tenho ânimo!

HENRIQUETA (a CARLOTINHA) – Espera, com ele eu sou mais animosa do que tu. Vou falar-lhe.

CARLOTINHA – Mas não lhe digas nada a meu respeito.

HENRIQUETA – Não. Então, Sr. Alfredo, tem ido estas noites ao teatro?

ALFREDO – É verdade, minha senhora, para distrair-me.

CARLOTINHA (a HENRIQUETA) – Distrair-se... De pensar em mim!

HENRIQUETA – O teatro é mais divertido do que as nossas noites, aqui em casa de Carlotinha ou na minha. Não é verdade?

ALFREDO – Não, minha senhora, mas no teatro se está no meio de indiferentes, e, portanto, não há receio de que se incomode com a sua presença àquelas pessoas que se estima.

CARLOTINHA (a HENRIQUETA) – Com que ar diz ele isto! Tu compreendes?

HENRIQUETA – Mas, Sr. Alfredo, me parece que isto não se refere a nós, que nunca demos demonstrações...

ALFREDO – A senhora, não, D. Henriqueta.

CARLOTINHA – É a mim, então... (Silêncio de ALFREDO.)

HENRIQUETA – Mas explique-se, Sr. Alfredo; eu creio que há nisto algum equívoco.

ALFREDO – Há certas coisas que se sentem, D. Henriqueta, mas que não se dizem. Quando nos habituamos a venerar um objeto por muito tempo podemos odiá-lo um dia, porém o respeitamos sempre!

CARLOTINHA – Mas ninguém tem direito de condenar sem ouvir aqueles a quem acusa.

HENRIQUETA – Decerto; muitas vezes uma palavra mal interpretada...

ALFREDO – Não é uma palavra, D. Henriqueta, é uma carta!

CARLOTINHA – Que significa isto? Tu entendes, Henriqueta?

HENRIQUETA – Não, minha amiga, mas o Sr. Alfredo vai nos esclarecer esse enigma.

ALFREDO – Perdão, minhas senhoras, aí vem Eduardo, e eu tenho de falarlhe sobre um objeto que não admite demora. (sobe.)

CARLOTINHA – Oh! é cruel! Tu sofrerias como estou sofrendo, Henriqueta!

HENRIQUETA – Tu sofres há alguns instantes, eu sofri dois meses! E era o desprezo!

CARLOTINHA – E isto o que é?

HENRIQUETA – Vem. Depois Eduardo nos contará.

CARLOTINHA – Sim, vamos! Preciso chorar!

CENA XIII

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EDUARDO, ALFREDO

EDUARDO – Estamos sós, Alfredo. Sente-se e diga-me que negócio é esse tão grave! Um médico está habituado a ver rostos bem tristes, mas o seu inquieta-me.

ALFREDO – É que realmente aquilo de que pretendo falar-lhe me penaliza em extremo; e se não considerasse um dever vir eu próprio comunicá-lo, preferiria servir-lhe de uma carta.

EDUARDO – E fez bem. Dois amigos entendem-se melhor conversando; uma carta é um papel frio, sobre o qual se acham as palavras, mas não a voz, a fisionomia e o coração da pessoa que fala.

ALFREDO – Outra razão ainda: uma carta é uma prova material que fica, e pode estraviar-se. O que vou dizer-lhe não deve ser sabido senão pelo senhor; eu mesmo devo esquecê-lo.

EDUARDO – Vamos, fale sem o menor receio.

ALFREDO – Há um mês, Eduardo, recebi uma prova de confiança da sua parte, que me penhorou em extremo. Sabendo que eu amava sua irmã, sem exigir de mim uma promessa, apresentou-me à sua família e abriu-me o interior da sua casa.

EDUARDO – E dei um passo bem acertado, porque fiz de um simples conhecido um amigo; e tenho tido ocasiões de apreciar o seu caráter.

ALFREDO – É bondade sua. Eu amava sua irmã, era um amor sério e que só esperava uma animação da parte dela, para pedir o consentimento de sua família. Pareceu-me que era aceito; obtive autorização de seu pai, e vim um dia com a intenção de pedir-lhe a mão de D. Carlotinha. Fui talvez apressado: mas eu queria quanto antes dar-lhe uma prova de que a sua confiança não tinha sido mal correspondida.

EDUARDO – Nunca tive esse receio. Mas dizia que veio...

ALFREDO – Deixe-me continuar. Chegamos ao ponto delicado e faltava-me a coragem para confessar-lhe...

EDUARDO – Não sei o que pretende dizer; meu amigo, reflita que, quando se trata de uma senhora, as reticências são sempre uma injúria. A verdade nua, qualquer que ela seja; em objetos de honra, a dúvida é uma ofensa.

ALFREDO – Perdão, não se trata de honra; é uma simples questão de sentimento. Eu me enganei, Eduardo. Julgava que sua irmã aceitava o meu amor e a minha vaidade me iludia. Então, entendi que se não me era permitido dar a prova que eu desejava de minha afeição, devia ao menos, ao retirar-me de sua casa, explicar-lhe os motivos que a isso me obrigavam. Perco uma bem doce esperança; mas quero conservar uma estima que prezo.

EDUARDO – Obrigado, Alfredo; o seu procedimento honra-o. Mas deixe que lhe diga; se há um engano da sua parte, é talvez na interpretação dos sentimentos de minha irmã.

ALFREDO – Ela ama a outro, Eduardo.

EDUARDO – Tem certeza disso?

ALFREDO – Tenho convicção profunda.

EDUARDO – Pode ser uma convicção falsa.

ALFREDO – Não me obrigue a apresentar-lhe as provas.

EDUARDO – São essas provas que eu peço! Tenho direito a elas...

ALFREDO – Por quê? Não ofendem o caráter de D. Carlotinha.

EDUARDO – Mas revelam seus sentimentos, que eu devo conhecer como seu irmão.

CENA XIV

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Os mesmos, CARLOTINHA, HENRIQUETA

CARLOTINHA – E que eu exijo que se patenteiem, porque não me envergonham, Eduardo!

EDUARDO – Tu nos ouvias, Carlotinha!

CARLOTINHA – Sim, mano. Tratava-se de mim; fiz mal?

EDUARDO – Não, minha irmã, eu mesmo te chamaria se não quisesse poupar-te um pequeno desgosto. Mas já que aqui estás, fica. Alfredo parece que tem algumas queixas de nós; julgarás se ele é injusto.

HENRIQUETA (à meia voz, a EDUARDO) – Ele está iludido! Carlotinha o ama!

EDUARDO – Eu sabia! (Continuam a conversar.)

CARLOTINHA – O Sr. Alfredo diz que tem provas de que amo outro homem... Reclamo essas provas.

ALFREDO – Não é possível, D. Carlotinha! Na minha boca seriam uma exprobração ridícula e ofensiva. Guardo-as comigo e respeito os sentimentos que não soube inspirar.

CARLOTINHA – O senhor não mas quer dar?... Pois bem, serei eu que provarei o contrário!... Eis a prova... (Estendendo-lhe a mão.)

ALFREDO – Ah!... (Tomando a mão.) Mas essa mão não pode ser minha!

CARLOTINHA – Por quê?

ALFREDO – Porque escreveu a outro e lhe pertence!

CARLOTINHA – Meu Deus! Mano, Henriqueta!...

EDUARDO – Que tens?

CARLOTINHA – Ele diz que eu amo a outro, que lhe escrevi!... Quando a ele...

ALFREDO – Não devia dizê-lo; mas foi o amor ofendido, e não a razão, que falou.

EDUARDO – Sei que é incapaz de tornar-se eco de uma calúnia; para dizer o que acabo de ouvir é preciso que tenha certeza do que afirma. A quem escreveu minha irmã, Alfredo?

ALFREDO – Perdão!... Não devo!

EDUARDO – Exijo!...

ALFREDO – Ao Sr. Azevedo!

HENRIQUETA – E impossível!

CARLOTINHA – Ele acredita!

EDUARDO – O senhor viu essa carta?

ALFREDO – Vi essa carta sair da mão que a escreveu e ser entregue àquele a quem era destinada! (Rumor de passos.)

EDUARDO – Silêncio senhor!

CENA XV

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Os mesmos, AZEVEDO

AZEVEDO (a EDUARDO) – Cher ami! (A meia voz) Acabo de ter uma cena bastante animada, échauffante mesmo!

EDUARDO – Por que motivo?

AZEVEDO – Eu lhe digo. (Afastam-se.) Rompi o meu casamento com Henriqueta; e acabo de participá-lo ao Sr. Vasconcelos.

EDUARDO – Ah!... E que razão teve para proceder assim?

AZEVEDO – Muitas; seria longo enumerá-las. Aquele velho é um miserável e sua filha uma namoradeira!...

EDUARDO – Sr. Azevedo, esquece que fala de amigos de nossa casa.

AZEVEDO – Perdão, mas não podia deixar que esses dois especuladores abusassem por mais tempo da minha boa fé.

EDUARDO – Se continua desta maneira, sou obrigado a pedir-lhe que se cale.

AZVEDO – Bom; não me leve a mal este desabafo. O fato é que o casamento está completamente desfeito, e que eu posso dizer como Francisco I: – Tout est perdu, hors l'honneur.

EDUARDO – E a dívida de dez contos?

AZEVEDO – Ele a pagará; não lhe deixarei um momento de sossego! Permita que cumprimente sua irmã.

ALFREDO – Não devo ficar, Eduardo, sinto que não terei é sangue frio necessário para dominar-me. EDUARDO – Espere, meu amigo.

CARLOTINHA – Sim, eu lhe peço, fique.

ALFREDO – Para quê? Para ser testemunha...

CARLOTINHA – Para ser testemunha de minha inocência!

HENRIQUETA – Que vais fazer?

CARLOTINHA – Apelar para a consciência de um homem que eu julgo honesto.

EDUARDO – Minha irmã! Deixa-me esse penoso dever! Tu és uma moça...

CARLOTINHA – Não, Eduardo, para ele eu sou criminosa. É justo que me defenda.

AZEVEDO – Estou completamente embêté!

CARLOTINHA – Sr. Azevedo, peço-lhe que declare se algum dia recebeu uma carta minha!

AZEVEDO – Comment!... Uma carta sua!... Nunca!...

ALFREDO (a meia voz) – O senhor mente!

CARLOTINHA (a HENRIQUETA) – Ainda duvida!

AZEVEDO (a EDUARDO) – Não estou na casa de um amigo?

EDUARDO – Sim; e o insulto é feito a mim!

ALFREDO – Perdão, Eduardo! Não sei o que faço, o meu espirito se perde!

AZEVEDO – Falta-lhe o savoir vivre!

CARLOTINHA – Assim o senhor dá sua palavra de honra! Não recebeu essa carta?...

AZEVEDO – Se eu a tivesse recebido, há muito teria vindo apresentar-lhe o pedido respeitoso de um amor profundo; e não esperaria por esse momento.

CARLOTINHA O senhor ama-me então?

AZEVEDO – É verdade!

CARLOTINHA – Pois eu... eu o desprezo!

AZEVEDO – Ah!

EDUARDO – Minha irmã!...

AZEVEDO – O desprezo é o direito das senhoras e dos soberanos.

HENRIQUETA – Mas, então, eu sou livre? A minha promessa...

AZEVEDO – Já foi restituída a seu pai!

HENRIQUETA – Obrigada, meu Deus!

CENA XVI

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Os mesmos, D. MARIA

D. MARIA – Que se passa aqui, senhores?

EDUARDO – Ah! Minha mãe! A nossa casa está sendo o teatro de uma cena bem triste!

D. MARIA – Mas por quê? Aconteceu alguma coisa? Carlotinha, que tens?

CARLOTINHA – Nada, mamãe.

D. MARIA – Todos tão frios, tão reservados!... Que quer dizer isto, Eduardo?

CENA XVII

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Os mesmos, VASCONCELOS, PEDRO

PEDRO – Barulho grande, Sr. Vasconcelos!

VÁSCONCELOS – Deixe-me! Estou furioso!

HENRIQUETA – Meu pai, é verdade?

D. MARIA – O senhor está tão perturbado!

VASCONCELOS – Se a senhora soubesse o que acabo de ouvir! Os maiores insultos!

AZEVEDO – Verdades bem duras, mas não insultos, senhor! Não é meu costume.

VASCONCELOS – Ah! O senhor está aqui?

EDUARDO – Sr. Vasconcelos!...

VASCONCELOS – Oh! Não faz. ideia do que este homem disse de mim. E se fosse só de mim! Caluniou, injuriou atrozmente a minha filha!...

EDUARDO – Como, Sr. Azevedo?

AZEVEDO – Perguntelhe o que ouvi dele!

PEDRO (a ALFREDO) – Intriga está fervendo só! Hoje sim! Acaba-se tudo!

VASCONCELOS – E o que me dói, ainda mais, D. Maria, é que todas essas injúrias de que o senhor se fez eco, saem de sua casa!

PEDRO (a CARLOTINHA) – Mentira!

EDUARDO – De nossa casa, Sr. Vasconcelos?

HENRIQUETA – Eu não creio, meu amigo.

VASCONCELOS – Tu não crês, porque não as ouviste, minha filha; senão havias de ver que só amigos fingidos pediam servir-se da intimidade para, à sombra dela, urdirem semelhantes calúnias!

D. MARIA – Nunca pensei, meu Deus, passar por semelhante vergonha!...

EDUARDO – E eu, minha mãe, eu que sou responsável por todos esses escândalos!

AZEVEDO – C'est ennuyeux, ça!

VASCONCELOS – Vamos, minha filha, deixemos para sempre esta casa onde nunca devíamos ter entrado!

HENRIQUETA – Eduardo!...

EDUARDO – Adeus, Henriqueta!

HENRIQUETA – Carlotinha!...

CARLOTINHA – Ama-me! Tu ao menos não Me farás chorar!

ALFREDO – Sou eu que a faço chorar, D. Carlotinha?

VASCONCELOS – Vem, vem, Henriqueta! Não estamos bem neste lugar!

ALFREDO – É verdade, sofre-se muito aqui.

AZEVEDO – Com efeito, li fait chaud.

ED'UARDO – A honra e a felicidade! Tudo perdido!

D. MARIA (chorando) – E tua mãe, meu filho!

PEDRO – E Pedro, senhor!

VASCONCELOS – Oh! Está quem podia confirmar o que eu disse.

AZEVEDO – Justamente!

EDUARDO – Ah!... Escutem-me, senhores; depois me julgarão.. É a nossa sociedade brasileira a causa única de tudo quanto se acaba de passar.

ALFREDO – Como?

VASCONCELOS – Que quer dizer?

AZEVEDO – Tem razão, começo a entender!

EDUARDO – Os antigos acreditavam que toda a casa era habitada por um demônio familiar, do qual dependia o sossego e á tranquilidade das pessoas que nela viviam Nós, os brasileiros, realizamos infelizmente esta crença; temos no nosso lar doméstico esse demônio familiar. Quantas vezes não partilha conosco as carícias de nossas mães, os folguedos de nossos irmãos e uma parte das atenções da família! Mas vem um dia, como hoje, em que ele na sua ignorância ou na sua malícia, perturba a paz doméstica; e faz do amor, da amizade, da reputação, de todos esses objetos santos, um jogo de criança. Este demônio familiar de nossas casas, que todos conhecemos, ei-lo.

AZEVEDO – É uma grande verdade.

VASCONCELOS – Tem toda a razão; a ele é que ouvi!

ALFREDO – Sim, não há dúvida.

CARLOTINHA – Eu adivinhava!...

D. MARIA – Como? Foste tu?

PEDRO – Pedro confessa, sim senhora.

D. MARIA – Mas para quê?...

PEDRO – Para desmanchar o casamento de Sr. Azevedo.

AZEVEDO – Que tal!

VASCONCELOS – E para isso inventaste tudo o que me disseste?

PEDRO – E o que disse a Sr. Azevedo. Nhanhá Carlotinha nunca se importou com ele.

AZEVEDO – Assim, a flor?...

PEDRO – Mentira tudo.

ALFREDO – E a carta?

PEDRO – Nhanhá mandava a sinhá Henriqueta.

HENRIQUETA – Então é esta!

ALFREDO – Mas a sobrescrita?

HENRIQUETA – Uma brincadeira!

ALFREDO – Perdão, D. Carlotinha!

CARLOTINHA – Não! O que eu sofri!...

EDUARDO – Por que, minha irmã? Todos devemos perdoar-nos mutuamente; todos somos culpados por havermos acreditado ou consentido no fato primeiro, que é a causa de tudo isto. O único inocente é aquele que não tem imputação, e que fez apenas uma travessura de criança, levado pelo instinto da amizade. Eu o corrijo, fazendo do autômato um homem; restituo-o à sociedade, porém expulso-o do seio de minha família e fecho-lhe para sempre a porta de minha casa. (A PEDRO) Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (PEDRO beija-lhe a mão.)

D. MARIA – Muito bem, meu filho! Adivinhaste o meu pensamento!

AZEVEDO – Mas agora, por simples curiosidade, dize-me, gamin, que interesse tinhas em desfazer o meu casamento?

PEDRO – Sr. moço Eduardo gosta de sinhá Henriqueta!

AZEVEDO – Ah!... bah!...

EDUARDO – Sim, meu amigo. Eu amo Henriqueta e para mim esse casamento seria uma desgraça; para o senhor era uma pequena questão de gosto e para seu pai um compromisso de honra. Hoje mesmo pretendia solver essa obrigação. Aqui está uma ordem sobre o Souto; o Sr. Vasconcelos nada lhe deve.

VASCONCELOS – Como? Fico então seu devedor?

EDUARDO – Essa dívida é o dote de sua filha.

HENRIQUETA – Oh! Que nobre coração!

EDUARDO – Quem mo deu?

HENRIQUETA – Sou eu que sinto orgulho em lhe pertencer, Eduardo.

D. MARIA – Mas, meu filho, dispões assim da tua pequena fortuna. O que te resta?

EDUARDO – Minha mãe, uma esposa e uma irmã. A pobreza, o trabalho e a felicidade. ALFREDO – Esqueceu um irmão, Eduardo.

EDUARDO – Tem razão!

AZEVEDO – E um amigo quand même!

EDUARDO – Obrigado!

VASCONCELOS – A vista disto, D. Maria, vou tratar de pôr a Josefa nos cobres!

AZEVEDO – Decididamente volto a Paris, meus senhores!

PEDRO – Pedro vai ser cocheiro em casa de Major!

EDUARDO – E agora, meus amigos, façamos votos para que o demônio familiar das nossas casas desapareça um dia, deixando o nosso lar doméstico protegido por Deus e por esses anjos tutelares que, sob as formas de mães, de esposas e de irmãs, velarão sobre a felicidade de nossos filhos!...

FIM DE "O DEMÔNIO FAMILIAR"