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Pesquisando/VI/Visão sincrônica

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Visão sincrônica da literatura (estrutura do texto)

O método da abordagem interna da obra literária, centrado na análise de seus elementos constitutivos, possibilita vários enfoques. Indicaremos, sucintamente, os mais importantes por sua eficácia operacional.

O enfoque linguístico

Como já vimos, o conceito de texto implica o entrelaçamento dos vários elementos que compõem a linguagem humana: fonemas, morfemas, lexemas, sememas. A ciência que estuda os componentes da palavra e as relações entre os vários termos de um enunciado é a linguística, que recebeu sua roupagem moderna pelo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), considerado o pai das principais correntes linguísticas da atualidade: a glossemática, de Hjelmslev; a funcional, de Martinet, Jakobson e da escola linguística de Praga; a distribucional, de Bloomfield e da escola norte-americana; a generativa, de Chomsky.

As maiores contribuições da ciência da linguística para a crítica literária residem no estudo da natureza do signo linguístico (composto de um significante e de um significado), das diferentes funções da linguagem (relacionadas com os fatores da comunicação humana), do relevo dado a várias dicotomias: fala e sistema, sintagma e paradigma, sincronia e diacronia, polo metonímico e polo metafórico. Tais conceitos e oposições formam o arcabouço metodológico que ajuda o estudioso da literatura a perceber a poeticidade de uma obra, oferecendo meios para poder distinguir um texto literário de um tratado científico, de um livro de história, de uma reportagem jornalística. A função poética da linguagem provoca desvios da norma comum no afã de romper os automatismos linguísticos com o fim de obrigar o leitor a pensar nas palavras e nos vários sentidos que elas podem conter. Os desvios são encontráveis em relação à palavra isoladamente considerada (metaplasmos), às relações que as palavras estabelecem entre si (metataxes) ou ao sentido (metassememas). Quem quiser realizar uma abordagem linguística, portanto, deverá fazer o levantamento de todas a alterações que ocorrem num texto literário, revelando os vários tropos ou figuras de estilo: metáforas, metonímias, anacolutos, antíteses, perífrases, onomatopéias, etc. Evidentemente, o estudioso não pode parar na coleta dos dados, limitando-se a fins estatísticos. Sua obrigação de crítico é interpretar os motivos dos desvios linguísticos que levaram o poeta a construir uma linguagem diferente.

O enfoque semiótico

A semiótica, também chamada de semiologia, é a ciência que estuda os signos como sistema de sinais utilizados na comunicação humana. A abordagem semiótica de um texto, portanto, além de considerar o aspecto puramente linguístico, vê a obra de arte literária como um sistema de signos que, a par de outros sistemas não poéticos (moda, alimentação, trânsito, mitologia, etc.), tem a finalidade da comunicação de uma mensagem, sendo a expressão de um conteúdo ideológico. O sistema de signos que compõem a obra literária está inserido num sistema maior, a língua, que, por sua vez, faz parte do macrossistema da semiótica, a ciência geral dos signos que regulam a vida humana. A semiologia estuda a constituição íntima do signo (relações entre significante e significado); a estrutura sintática (plano sintagmático) e a estrutura semântica dos signos (plano paradigmático); as relações entre emissor e receptor (aspecto pragmático); as relações entre emissor e receptor (a função conativa dos signos).

A semiologia como ciência foi enunciada por Ferdinand de Saussure, que previu sua possibilidade de existência e seu campo de aplicação. Foi, porém, o filósofo e cientista norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) a dar os passos decisivos para a constituição de uma ciência semiológica. Seu conceito de interpretante (signo que dá sentido a outro signo) e sua classificação dos signos em ícone (relação imagética ou de semelhança), índice (relação de contiguidade) e símbolo (relação convencional) constituem o fundamento dos estudos sobre os signos. Na trilha de Peirce caminharam outros semiológicos famosos: Ernst Cassirer, Eric Buyssens, Louis Hjelmslev, Roland Barthes, A.J. Greimas, Umberto Eco.

Para o estudo intrínseco da literatura, são de importância fundamental as distinções semiológicas entre plano de expressão e plano de conteúdo, entre sintagma e sistema, entre denotação e conotação. Ainda é preciso notar que a semiologia “pode dar maior atenção aos aspectos comunicativos dos signos e, portanto, aos diferentes códigos em que eles se agrupam e às mensagens que com eles se formulam; ou à natureza e ao valor dos próprios signos, vistos em seu aspecto inventivo, criativo, e em sua potencialidade expressiva. No primeiro caso, tem-se um estudo do codificado; no segundo, um estudo da codificação.” (Segre, 40, p. 98). Acrescentamos que a semiologia, se quiser ser realmente um método eficiente de análise e de interpretação da obra de arte literária, deve preocupar-se com os dois aspectos, quer com a função estética, quer com a função comunicativa dos signos, relacionando sistemas de formas com sistemas de significados.

O enfoque estilístico

A estilística veio substituir a antiga Retórica, a arte do falar bonito. Ela adquiriu estatuto de método objetivo de análise literária quando deixou de ser normativa (imposição de regras para a composição de um texto) para ser descritiva (análise dos modos de expressão peculiares a um artista, a um gênero ou a uma época). Isto se deu a partir do começo do século passado com estudiosos alemães (Vossler e Leo Spitzer), italianos (F. de Sanctis e Benedetto Croce), espanhóis (Amado e Dámaso Alonso), franceses (C. Bally, J. Marouzeau, M. Cressot, P. Guiroud, M. Riffaterre), e de língua inglesa, pelo close reading do new criticism (I. A. Richards, W. Empson, O. Brooks).

A análise estilística de uma obra literária pode ser feita por duas abordagens distintas e complementares: análise do estilo do plano da enunciação e análise do estilo do plano do enunciado. Pela primeira, examina-se o discurso literário, estabelecendo as relações entre emissor e receptor e distingue-se entre discurso direto, indireto ou misto, entre forma monológica ou dialógica, entre estilo modalizante ou avaliatório. Pela segunda, examina-se a predominância dos elementos fônicos, as propriedades rítmicas e melódicas da frase, as peculiaridades das construções sintáticas, as categorias que denunciam o aspecto representativo ou figurativo do texto.

O enfoque formalista

Trata-se de uma posição metodológica da crítica que substitui a oposição tradicional entre forma e conteúdo pela relação entre material (os elementos fônicos, lexicais, sintáticos e semânticos do texto) e priom (processo ou procedimento: a maneira pela qual o material é manipulado para produzir o efeito estético). A organização do material usado pelo escritor, que pode ser de fundo mítico, histórico, psicológico, imitativo de uma natureza exterior ou interior, deve ser feita segundo um procedimento de singularização, que leva a uma visão peculiar do objeto, libertando a percepção do automatismo. Segundo V. Chklovski, o poeta age como um turista que vê uma paisagem pela primeira vez, sentindo o efeito de estranhamento que a novidade causa em seu espírito. Em L. Tolstoi, por exemplo, o procedimento de singularização “consiste no fato de que ele não chama o objeto por seu nome, mas o descreve como se o visse pela primeira vez e trata cada incidente como se acontecesse pela primeira vez” (43, p. 46). A literariedade do texto, isto é, a diferença específica que faz com que um produto de linguagem seja considerado uma obra de arte, segundo os formalistas russos, consiste no arranjo estético do material utilizado.

Como o princípio da forma é o traço distintivo da percepção estética, o crítico tem por ofício analisar o priom da obra para descobrir-lhe a especificidade que torna o texto literário um objeto estético. A atividade dos formalistas iniciou-se em Moscou, em volta de 1914, continuou em Praga, após a condenação pública feita pelo regime marxista, e de lá se estendeu para a Europa mais ocidental. Entre as contribuições que marcaram a análise do texto literário, assinalamos os estudos sobre o verso e o conceito de função, entendida como átomo importante de narratividade, formulado por V. Propp e aplicado ao estudo do conto maravilhoso.

O enfoque estruturalista

A partir da década de 60, estudiosos franceses substituem o conceito de forma pelo de estrutura como ponto de partida para a análise do texto literário. A concepção de estrutura, entendida como relação entre as partes de um conjunto, pode ser rastreada em antigas noções das ciências naturais, matemáticas e humanas, em que se confundem noções afins, como sistema, organismo, conjunto, modelo, forma. Aplicado à linguística por Wilhem Humboldt, o termo estrutura encontra-se em Saussure e nos formalistas russos que usam indiferentemente forma ou estrutura.

Foi Claude Lévi-Strauss que deu notoriedade ao termo estrutura ao transferi-lo da Linguística para a Antropologia. A teoria lévi-straussiana está fundamentada no princípio do isomorfismo entre as leis do pensamento e as leis do real. Captar as estruturas de determinados comportamentos humanos significa expressar racionalmente o inconsciente metaindividual que sustenta as regras do funcionamento social. Segundo essa teoria, a estrutura não poderia ser individualizada num objeto particular, mas num modelo teórico formulado a partir da análise de vários objetos.

Distinguiríamos, então, a forma (o todo orgânico de um objeto concreto) da estrutura (modelo geral elaborado pela análise dos elementos constitutivos e invariáveis, comuns a este e a outros objetos do mesmo grupo ou da mesma espécie). Aplicado aos estudos literários, o conceito de estrutura de Lévi-Strauss levaria a dar um novo nome ao trabalho proppiano: o formalista russo não teria descoberto a morfologia, mas a estrutura do conto fantástico, visto que V. Propp construiu seu modelo com base na análise de um corpus constituído de cem narrativas populares.

À margem das questões teóricas acerca do conceito de forma e de estrutura, deve ser salientada a enorme relevância dos chamados estruturalistas franceses para a análise e a compreensão do texto literário, especialmente no que toca o estudo da narrativa ficcional. Trilhando o caminho iniciado por V. Propp, eles procuraram generalizar seu método de trabalho, estendendo as pesquisas para a análise não só do conto fabuloso, mas também de qualquer tipo de narrativa.

Roland Barthes amplia o conceito proppiano de função, acrescentando às funções distributivas ou sintagmáticas, que ocorrem em relação ao fazer (núcleos e catálise), as funções integrativas ou paradigmáticas do plano do ser (índices e informantes); A.J. Greimas reduz as 31 funções de Propp a dez duplas, agrupando-as em três categorias básicas (as ações que dizem respeito ao contrato, à prova e à viagem do herói) e as sete esferas de ação das personagens a seis actantes (dois no eixo do querer: sujeito vs objeto; dois no do saber: destinador vs destinatário; e dois no do poder: ajudante vs oponente); Claude Bremond procura captar a rede de possibilidades lógicas que engendram a narratividade, por meio da distinção de três momentos (virtualidade, passagem ao ato e resultado) e de dois processos (melhoramento e degradação); T. Todorov estuda as categorias da narrativa literária de uma forma geral, estabelecendo uma dicotomia entre história (análise lógica das ações e das relações entre as personagens) e discurso (análise do processo da enunciação ou foco narrativo).

O enfoque fenomenológico

Este tipo de abordagem se limita à descrição da obra literária, considerada como um fenômeno, isto é, como ela aparece aos olhos e à intuição do observador. A experiência perceptiva é o fundamento de todas as operações da consciência. O analista de formação fenomenológica aproxima-se do texto literário com mente pura, afastando de si as influências de qualquer tradição cultural, autoridade crítica, pressuposição lógica sobre a constituição do objeto artístico, de qualquer modelo de análise preestabelecido. A fenomenologia é, ao mesmo tempo, um modo de ver e um método. O método consiste no modo de ver e este modo de ver constitui o método.

A análise fenomenológica distingue no objeto artístico vários aspectos ou estratos que, no texto literário, são identificados como óptico, fônico, lexical, sintático, semântico, ideológico, figurado. É preciso salientar, porém, que tal estratificação só existe graças ao esforço analítico do crítico, porque o texto é percebido pelos sentidos e pela consciência, à primeira vista, como um todo orgânico, uma forma homogênea. Os princípios dessa doutrina filosófica foram aplicados ao estudo da literatura por Roman Ingarden, ligado à escola fenomenológica de Husserl. O trabalho principal de Ingarden encontra-se traduzido para nossa língua pela Fundação Calouste Gulbenkian: A Obra de Arte Poética. Lisboa, 1965.

O enfoque temático

É um dos métodos mais tradicionais de análise literária, revitalizado pelas contribuições de pesquisadores ligados ao formalismo, à psicanálise e ao estudo de arquétipos. Para este tipo de abordagem, é interessante ler o trabalho de B. Tomachevski, intitulado Temática (in: 43). O estudioso russo, preocupado em descobrir o priom da obra literária, procede à desmontagem do texto e encontra seus elementos constitutivos nos motivos, elementos indecomponíveis, átomos de narratividade e de significação, unidades temáticas mínimas. Distingue entre motivos associados (indispensáveis para a compreensão da fábula, constituída pelo material narrativo em sua ordem cronológica) e motivos livres (os componentes da trama, a disposição artística dos fatos); entre os motivos dinâmicos (que dizem respeito ao fazer das personagens) e motivos estáticos (relacionados com o ser dos atores e com a descrição do ambiente). Podemos ainda distinguir entre leitmotiv (um motivo que se repete com insistência na obra) e topos (motivos que se repetem em várias obras do mesmo autor, da mesma época ou do mesmo gênero literário). A conjunção de vários motivos, que são os suportes da mesma significação, constitui o tema, que pode ser parcial (referente a um único segmento semântico) ou principal (referente à significação da obra em sua totalidade); particular (específico de uma obra) ou universal (comum a várias obras de diferentes épocas); atual ou histórico.

Quanto ao tipo de análise temática mais universalizante que, em vez de preocupar-se em colher os motivos esteticamente distribuídos ao longo de determinada obra, rastreia os tema gerais pertencentes à essência de uma cultura, traduzimos um trecho do Dictionnaire Encyclopédique des Sciences du Langage:

“Na época contemporânea, quase todos os sistemas temáticos se inspiram numa ou noutra tendência psicanalítica: a teoria dos arquétipos, de Jung; a dos componentes materiais da imaginação (os quatro elementos), de Bachelard; a dos ciclos naturais (as quatro estações, as horas...), de Frye; a dos mitos ocidentais (Narciso, Édipo...), de Gilbert Durand. Estas construções, tão engenhosas quanto frágeis, ameaçam constantemente de fazer desaparecer a especificidade literária: querendo englobar toda a literatura, elas englobam mais do que a literatura; de outro lado, recusar-se a reconhecer a existência de elementos temáticos no texto literário não resolve o problema. É preciso chegar a mostrar a semelhança entre a literatura e os outros sistemas de signos, ao mesmo tempo em que se demonstre sua especificidade: este trabalho ainda não foi feito.” (30, p. 284-285).