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Contos Populares Portuguezes/A cacheirinha

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XXIV


A CACHEIRINHA

Era de uma vez um homem, que tinha muitos filhos, e era muito pobre, e como não tivesse em que ganhar pão para lhes dar, foi para creado de certo rei, para ver se assim podia sustentar melhor os filhos. Ao fim de um anno de serviço disse elle ao rei. «Senhor peço que me deis a paga do meu serviço, pois quero ir viver com os meus filhos e mulher de quem estou separado ha um anno.» Então o rei disse-lhe: «Não te pago em dinheiro, mas leva essa mesa, e toda a vez que queiras comer dirás: põe-te mesa, e terás comer para ti e teus filhos.» Foi-se o homem muito contente e no caminho teve fome, e então disse: «Põe-te mesa e logo apparece a mesa com uma coberta de ricos manjares. Comeu o homem á farta, e dos sobrejos ainda repartiu com algumas pessoas pobres que encontrou no caminho. Como porém anoiteces-se, o homem foi pernoitar a uma estalajem, e á vista do estalajadeiro ordenou á mesa que se pozesse, e logo appareceram novamente ricos manjares. O estalajadeiro vendo isto, esperou que o homem estivesse dormindo, e trocou a mesa por outra egual no feitio, mas que não tinha o condão d'aquella.

Levantou-se o homem de madrugada pegou na mesa ás costas e foi para casa da mulher e dos filhos. Ao chegar ali disse: «Meus queridos filhos e minha querida mulher, já não precisamos de trabalhar para comer, pois el-rei deu-me uma mesa que nos apresenta comer todas as vezes que eu quizer.» Então a mulher e os filhos, que estavão cheios de fome, disseram que lhes désse de comer; mas debalde o homem dizia: «Põe-te mesa, põe-te mesa,» que a mesa não se punha. Lembrou-se então elle que talvez o estalajadeiro lh'a tivesse trocado, e voltou á estalagem, mas elle negou e tornou a negar que tal não tinha feito. Foi-se o homem ter com o rei e contou-lhe o succedido. Então o rei deu-lhe uma peneira e disse-lhe: «Quando quizeres dinheiro dirás: peneira, peneirinha; cair-te-ha d'ella dinheiro em vez de farinha.» Foi-se o homem ainda mais contente do que da primeira vez, mas como fosse outra vez pernoitar á estalagem, e o estalajadeiro visse que elle tirava dinheiro da peneira, fez o mesmo que tinha feito á mesa; e o homem, ao chegar a casa viu que tinha sido novamente logrado. Voltou a queixar-se ao rei; e elle deu-lhe uma cacheirinha, e disse-lhe: «Vae á estalagem com esta cacheirinha, e diz: desanda cacheirinha, desanda cacheirinha, e em quanto o estalajadeiro não te der a mesa e a peneira, manda-a sempre desandar.» Foi o homem, e fez o que o rei lhe disse, e o estalajadeiro massado, com pancadas, deu a mesa e a peneira ao homem. Voltou este todo alegre e contente para sua casa com as tres prendas que lhe dera o rei. Quando os filhos, elle e a mulher tinham fome, logo tinham comer; quando precisavam de dinheiro tambem o tinham, e quando os filhos fazião alguma coisa malfeita tambem o pae mandava desandar a cacheirinha, e assim educou os filhos muito bem, e quando elles chegaram a serem homens, foi offerecel-os ao rei, para irem servir a patria, e foram uns valentes soldados.

(Coimbra.)