Saltar para o conteúdo

Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 7

Wikisource, a biblioteca livre
CAPITULO VII
De como chegamos a 28° de latitude e
uma grande tempestade se desencadeou

Um dia, a 18 de novembro, nosso piloto verificou a altura do sol e viu que estavamos a 28 gráos de latitude; conforme a combinação feita ao partir da ilha das Palmas, deviamos procurar terra a oeste, para que se reunissem outra vez todas as naus. Tinhamos permanecido seis mezes no mar e por varias occasiões em grande perigo de naufragio.

Vimos logo terra, mas ao approximarmo-nos não nos foi possivel reconhecer o porto com os signaes com que nol-o tinham descripto. E como não era prudente entrar num porto desconhecido, ficamos a cruzar em frente á terra.

Nisto sobreveio um temporal violento que nos ameaçava lançar contra as rochas. Tornou-se tão imminente o perigo que a cautela nos levou a juntar varios barris vazios, amarrando-os uns aos outros e pondo dentro polvora e armas; assim, se naufragassemos, os sobreviventes poderiam ganhar a terra e defender-se dos selvagens, pois as ondas levariam á praia os barris encastoados.

A tempestade cresceu de vulto e por fim a nossa nau foi levada para umas rochas submersas a quatro braças de fundo. Deante do perigo inevitavel, aproamos á terra para encalhar o navio.

Deus quiz, entretanto, que ao chegarmos perto das rochas avistassemos um porto e nelle pudessemos entrar.

Estava lá um pequeno navio, que fugiu de nós e se occultou por detrás de uma ilha; não pudemos saber que navio era, nem o seguimos.

Deitámos ancora, agradecendo a Deus o precioso soccorro que nos enviara e em seguida tratámos de descançar e enxugar nossas roupas.

Seriam duas horas da tarde. Logo depois appareceu uma canôa de selvagens com mostras de querer falar comnosco. Permittimos que a canôa se approximasse; nenhum de nós, porém, entendia a lingua dos selvagens e o mais que fizemos foi dar-lhes algumas facas e anzóes, com o que nos deixaram e voltaram para terra.

A' noite veio outro barco de indigenas, desta vez trazendo comsigo dois portuguezes.

Perguntaram-nos de onde vinhamos e muito se admiraram da pericia do nosso piloto, porque, ape- zar de conhecedores daquella angra, nenhum delles se atreveria a entrar com uma tempestade daquella.

Contamos, então, nossa aventura, attribuindo a Deus o salvamento; os portuguezes, depois de muito se espantarem com o feito, disseram-nos que estavam em Superaguy, a dezoito leguas da ilha de S. Vicente, que pertencia a Portugal. Lá moravam elles, e tambem os do navio pequeno que fugira de nós certo de que eramos francezes.

Perguntámos a que distancia ficava a ilha de Santa Catharina, para onde queriamos ir, e soubemos que ficava a trinta milhas para o sul, mas que lá havia uma tribu de selvagens carijós da qual deviamos acautelar-nos.

Já dos indigenas do porto de Superaguy nada havia que temer, pois eram da tribu amiga tupiniquim.

Tambem indagámos da latitude do lugar e responderam-nos que era o gráo 28, o que concordava com as nossas observações.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.