O Saci (8ª edição)/7

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VII

A sacizada



aqui, dentro destes gomos, que se geram e crescem os meus irmãos de uma perna só, disse o saci. Quando chegam em idade de correr mundo, racham os gomos e pulam fora. Repare quantos gomos rachados. De cada um deles já saiu um saci.

Pedrinho viu que era exato o que ele dizia e mostrou desejos de abrir um gomo para espiar um sacizinho novo ainda preso lá dentro.

— Vou satisfazer a sua curiosidade, Pedrinho, mas não posso revelar o segredo de abrir os gomos; portanto, vire-se de costas.

O menino virou-se de costas, assim ficando até que o saci dissesse — “Pronto!” Só então desvirou-se e com grande admiração viu aberta num gomo uma perfeita janelinha.

— Posso espiar? perguntou.

— Espie, mas com um olho só, respondeu o saci. Se espiar com os dois, o sacizinho acorda e joga nos seus olhos a brasa do pitinho.

O menino assim fez. Espiou com um olho só e viu um sacizinho do tamanho de um camondongo, já de pitinho aceso na boca e carapucinha na cabeça. Estava todo encolhidinho no fundo do gomo.

— Que galanteza! exclamou Pedrinho. Que pena o povo lá de casa não estar aqui para ver esta maravilha!

— Esse sacizinho ainda fica aí durante quatro anos. A conta da nossa vida dentro dos gomos é de sete anos. Depois saimos para viver no mundo setenta e sete anos justos. Alcançando essa idade, viramos cogumelos venenosos, ou orelhas-de-pau.

Pedrinho regalou-se de contemplar o sacizete adormecido e ali ficaria horas se o saci o não puxasse pela manga.

— Chega, disse ele. Vire-se de costas outra vez, que é tempo de fechar a janelinha.

Pedrinho obedeceu, e quando de novo olhou não conseguiu perceber no gomo do taquaruçú o menor sinal da janelinha.

Justamente nesse instante um formidavel miado de gato feriu os seus ouvidos.

— E´ o jaguar! exclamou o saci. Trepemos depressa a uma arvore, porque ele vem vindo nesta direção.

Pedrinho, tomado de panico, fez gesto de subir na primeira arvore que viu á sua frente, um velho jacarandá coberto de barbas-de-pau.

— Nessa, não! berrou o saci. E´ muito grossa; o jaguar treparia atrás de nós. Temos que escolher uma de casca bem lisa e tronco esguio. Aquele guarantã ali está otimo, concluiu, apontando para uma arvore bastante alta e magrinha de tronco, que se via á esquerda.

Subiram — e nunca em sua vida Pedrinho subiu tão depressa em uma arvore! Tinha a impressão de que o terrivel tigre dos sertões estava atrás dele, já de boca aberta para o engulir vivo. Mas era ilusão apenas, filha do medo, pois a fera miou outra vez e o saci calculou pelo som que ainda deveria estar a cem metros dali. Pedrinho ajeitou-se como pôde numa forquilha da arvore, lá ficando quietinho ao lado do saci.

Ia finalmente ver uma fera sobre a qual vivia falando sem ter a respeito uma ideia justa. Ia ver a famosa onça pintada, esse gatão que muito lembra a pantera das matas da India.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.