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A esperanca

 

a quem os gritos attrahira e entrou na casa dizendo á mulher:

Não se agonie... Não faça barulho. Tome lá para manar compôr a porta ― e deu-lhe uma libra. A mulher nunca tinha visto na sua mão dinheiro em oiro. Ficou com a bôcca meia aberta. Nem posses tinha para se alegrar. A furia tinha-lhe passado, e achava muito lindo o barão, fosse ou não dos que fallára o pregador.

― Entregue-me a menina a quem sirvo de pae ― tornou Amaral, mettendo outra libra na mão da mulher. Ella abriu mais a bôcca, e ficou como uma estatua.

Francisco estava á porta, que dava mara a casita, com um machado em punho e disse:

― Aquelle que vier á abordagem navega logo para a eternidade.

Damião quiz lançar-se sobre elle. Amaral o deteve, Maria Isabel, tendo ouvido a voz de Francisco, correu e lhe bradou:

― Pelo amor de Deus!... veja o que faz. Lembre-se que é o arrimo de sua mãe.

Alguns homens de sachola ao hombro entraram. Andavam perto nos campos e accudiram aos gritos da mulher.

― Aqui está o sinhor rigidor, ― disse a dona da casa (contente de lançar de si a responsabilidade) elle agora é que ha-de dizer como isto ha-de ser.

Amaral dirijiu-se ao homem que vinha na frente, dizendo:

― Senho regedor, eu sou um cavalheiro a quem acaba de fugir a minha pupila. Ella receia que eu a faça infeliz, mas é porque não conhece o meu coração: amo-a como um pae terno e amante, e só para a fazer feliz é que a quero guardar e proteger. Entregue-m'a, senhor regedor. Eu a tratarei como a filha mais querida. Convença-a a seguir-me... obrigue-a, se preciso fôr. Cumpra o seu dever, senhor regedor. A carta constitucional, de que o senhor é magistrado, manda que se entreguem as filhas a seus paes.

E elle sahiu a esperar o exito da sua falla. Tinha esgotado a sua logica, e envergonhava-se de estar mintindo diante de Maria Isabel. Disse baixo a Damião antes de sahir que o substituisse, e sustentasse os seus direitos. Damião podia fallar no valimento de seu amo, e no mal que iria a quem se opozesse á sua vontade; e é o que fez o astuto criado com toda a audacia e descaramento. Fez uma parlenda que encheu de susto os camponeos e de indignação Maria Isabel, e que fez rir sardonico Francisco, que se conservava ao lado da menina com o machado em punho.

― O' senhora ― disse o regedor á donzella ― venha com seu pae á cortezia. Isso, como lá diz o outro, não é bonito andar por esse mundo como uma madanella. Seu paizinho não lhe fará mal; tem cara de bô home.

― Esse senhor mentiu; não me é nada ― disse Maria Isabel. Este luto que trago é por meu pae e minha mãe. Sou orphã, estou protegida pelo juiz dos orphãos. Se me fazem alguma violencia, queixar-me-hei de quem m'a fizer.


 

 
Carlos e Laura

Toma minha querida, toma este ramo de flôr de limoeiro que eu colhi para ti; á noite deixa-o ao pé da cama. Come este favo de mel; achei-o no alto d'um penhasco; mas agora encosta-te ao meu seio, e eu descançarei.

(Bernardin de Saint Pierre)

Paulo e Verginia.


« Carlos foi informado d'isto, e entrava em nossa casa no momento em que meu pai de combinação com o medico me ia dizer palavras d'esperança. Carlos correu como louco até á porta do meu quarto, lançou-se aos pés de meu