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MONTEIRO LOBATO

DONA BENTA — É o lobo, Nastácia!

TIA NASTÁCIA — Que lobo, Sinhá? Mecê parece que está ca-
ducando. Onde já se viu lobo a estas horas por aqui? Lobo
nada. Os meninos estão empulhando mecê. (Percebe a pre-
sença de Capinha.) Ué? A menina da Capinha Vermelha
por aqui! Que novidade é essa?

CAPINHA — O lobo que comeu vovó me perseguiu na floresta
e corri a esconder-me aqui. Está na porta, arranhando
despedaçando as tábuas.

O lobo dá um uivo prolongado e arranha as tábuas com mais fúria. Tia Nastácia compreende tudo e põe-se a tremer de medo. A colher de pau cai da sua mão.

TIA NASTÁCIA — Credo! Figa, rabudo! É o lobo mesmo. E
agora, Sinhá, que vai ser de nós?

DONA BENTA — Emília foi quem arranjou isso e tinha combi-
nado a defesa com o rinoceronte. Era só dar um assobio
que ele avançava com o chifre contra o lobo e o varava de
lado a lado. Mas já assobiou três vezes e nada. Diz Capinha
que ele está ferrado no sono, lá na porteira. Estamos pen-
sando num jeito de acordá-lo.

TIA NASTÁCIA — Pois é mandar o Visconde fazer esse serviço.
Para que serve um Visconde tão importante em casa senão
para esses serviços perigosos? (Voltando-se para o Visconde.)
Ande, Visconde! Vá lá na carreira e acorde o ri. . . o "ri-
noceronte". Mexa-se.

CAPINHA — E se o lobo comer o Visconde?

TIA NASTÁCIA — Não come nada, menina. O Visconde é de sa-
bugo e os lobos são "carnivo".

DONA BENTA — Bela idéia! Vá, Visconde. Vá numa carreira
acordar o rinoceronte.

CAPINHA(Sempre com dó do Visconde.) — O lobo pode não
comer o Visconde mas é bem capaz de espedaçá-lo. Não
existe lobo mais malvado que esse.