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MONTEIRO LOBATO

E repare que as pétalas são ora muito compridas, ora muito curtas — irregularíssimas. E nascem sem ordem nenhuma aqui neste miolo do centro, o qual miolo é também muito irregular: vai desde as rodelinhas perfeitas das margaridas até esta espécie de comprido dedal, ou copa de cartola do tempo de dantes. Aqui está uma assim — e Narizinho colheu uma muito grotesca, com a sua enorme copa de cartola ou dedal, de onde saíam três ou quatro "tentativas" de pétalas. — Botar pétalas aqui, veja que asneira! Não é lugar de pétalas e sim dos estames e pistilos, como o Visconde já me explicou. Estas porcariazinhas de pétalas nasceram aqui por engano, por erro da flor. As zinias erram muito, tal qual meninos vadios que nunca sabem a lição. Estas pétalas tontas, vendo o erro, pararam de crescer, ficaram bobamente fora do lugar certo" — e a menina as foi arrancando sem dó de todas as zinias erradas ali no canteiro. — Espirros de pétalas, bolas! Até os talos as zínias não sabem fazer. Repare. Uns talos ocos, fraquíssimos, que a gente pega e já quebram, ou pendem. Também não sabem fabricar folhas bonitas. Veja como são ásperas, pura lixa. E dum verde feio, sujo. E de forma deselegante.

Foi por causa dessas críticas de Narizinho que o Visconde resolveu encher o seu canteiro só daquela flor, para estudá-las e aperfeiçoá-las por meio de seleção e fixação das qualidades. "Hei de disciplinar estas boêmias tontas" — dizia o sabuguinho científico.

E o canteiro da Emília? Ah, esse variava muito. Cada estação, uma espécie diferente de flor. Tempo houve em que ela só quis saber de violetas — e o seu canteiro virou um violetal.

Foi quando aconteceu aquele caso da violeta orgulhosa. Emília só havia plantado violetas roxas, com as quais conversava todos os dias, enquanto as apanhava para a formação de ramalhetinhos. Certa vez encontrou-as muito agitadas.

— Que há por aqui, amorecos? — perguntou Emília; e uma das violetas, justamente a mais sábia e pernóstica da floração daquele ano, empinou-se no cabinho e disse: "O que há é que esta noite desabrochou entre nós uma violeta branca que está nos irritando com a sua insolência e orgulho. Só porque