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A SEGUNDA JACA


DEPOIS DAQUELE CASO da jaca madura, que caiu da árvore e se esborrachou em cima da Emília, ocorreu no Picapau Amarelo o desaparecimento do Visconde. Era a segunda vez que semelhante coisa acontecia. A primeira foi quando caiu atrás da cômoda e lá ficou imprensado meses, sendo tirado todo coberto de bolor verde e teias de aranha. Tia Nastácia teve de substituir-lhe o corpo por um sabugo novo, só aproveitando os braços, as perninhas e a cartola. Pois não é que depois do desastre da Emília o Visconde desaparece pela segunda vez? Durante uma semana procuraram-no por toda parte e nada. Nem cheiro do menor sinalzinho do Visconde.

A casa de Dona Benta começou a ficar triste. Ninguém ali sabia viver sem o velho sábio. Até tia Nastácia, que era analfabeta, volta e meia suspirava lá na cozinha, dizendo de si para a sua colher de pau: "Isto sem Visconde é o mesmo que talhada sem gengibre." ("Talhada" era um dos doces que a boa negra fazia sempre: misturava melado de rapadura com farinha de mandioca e derramava aquilo ainda quente sobre a "tábua de amassar pastel", numa camada aí de um centímetro de espessura; depois que o derrame esfriava e endurecia ela o "talhava" com uma faca, em quadradinhos e losangos.) Muita gente faz talhada só com melado e farinha. Tia Nastácia, não! Punha também gengibre, porque "se não leva gengibre, não fica sendo da legite (legítima)", costumava ela dizer.

— É isso mesmo — concordava Dona Benta. — Sem o Visconde, o nosso sítio perde muito da sua graça.

E Emília? Ah, essa chegou a dizer que o Visconde fazia parte dela como um órgão do seu corpo. "Eu tenho braços, pernas, cabeça, olhos, nariz e o Visconde. Sem ele, me sinto aleijada."