Página:Histórias diversas (Mml obr0050).pdf/84

Wikisource, a biblioteca livre
86
MONTEIRO LOBATO

A trapalhada foi medonha. Dona Benta não podia seguir viagem só com os outros e deixar Meioameio largado ali na estação, rodeado de basbaques, como acontecia sempre que ele aparecia em público. Se ele não embarcava, os outros também não embarcariam; a solidariedade era perfeita — e como agir? A pobre senhora telegrafou para o diretor da Central, para o Presidente da República, para os Ministros de Estado, para o Deputado Barreto Pinto e até para o Embaixador da Grécia (o centaurinho era de nacionalidade grega). Nada conseguiu. As leis do país opunham-se terminantemente a que Meioameio viajasse em carro de passageiro por não ser integralmente homem, e em carro de animais por não ser integralmente cavalo. E o caso podia até determinar a ruptura das relações diplomáticas entre o Brasil e a Grécia, se a luminosa sugestão de Emília não fosse aceita.

— Qual foi a luminosa sugestão da Emília?

— Cortar as plataformas de dois carros, um de passageiros, outro de animais, e unir esses dois carros formando um só. Meioameio, então, viajaria de pé no ponto de junção, com a parte-cavalo no carro de animais, e a parte-gente no carro de passageiros; e pagaria meia passagem como gente e meio frete como cavalo. Só assim pôde o centaurinho ser transportado de trem ao Rio de Janeiro sem que as leis e regulamentos da República Federativa do Brasil fossem desrespeitados.

O Congresso Nacional chegou a votar uma moção de louvor a Emília pela inteligência com que salvou a Administração Pública dum terrível dilema: ou negar transporte a um passageiro ou infringir o regulamento duma estrada de ferro.

Temos aqui apenas um dos inumeráveis casos que a presença do centaurinho Meioameio no mundo moderno determinou, e que serão contados num livro grande — se as crianças quiserem.

Não adicionar a ilustração