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MEMORIAS DE UM NEGRO
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necessaria para uma viagem de duas pessoas á Europa. Accrescentaram que eu e minha mulher não tinhamos o direito de recusar o offerecimento. Essa viagem me fôra suggerida pelo sr. Garrison um anno antes, e, por consideral-a absurda, eu não lhe dera nenhuma attenção. Mas o sr. Garrison agarrara a idéa, juntara os seus esforços aos das senhoras mencionadas — e quando voltou a falar-me do assumpto, estava tudo previsto, o itinerario traçado e duas passagens compradas.

Essas coisas se combinaram com tanta presteza que me assombrei. Vivera dezoito annos martelando em Tuskegee, e parecia-me indispensavel continuar assim, martelando, até a consummação dos meus dias. A escola dependia de mim, havia as despesas quotidianas, foi o que eu disse aos meus excellentes amigos de Boston. E, agradecendo a generosidade delles, conclui que a viagem era impossivel. Objectaram-me que o sr. Henry L. Higginson e outros cavalheiros, que não cito porque elles se zangariam commigo, tratavam de obter o dinheiro necessario á manutenção da escola durante a minha ausencia. Ahi as desculpas se tornavam impertinentes: baixei a cabeça.

Aquillo me atordoava. Impossivel acostumar-me á idéa de que o projecto se realizaria. Via-me escravo, nas trevas da ignorancia e da pobreza, vivendo numa cabana miseravel, padecendo fome,