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O PRECURSOR DO ABOLICIONISMO NO BRASIL
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Não podia ser mais claro. A exagerada modestia fazia-o reconhecer-se, em 1848, pouco mais ou menos analfabeto. Mas, como sabemos que já o não era, compreende-se bem a proporção que ele estabelecia entre o que até ali aprendera e o que desejava adquirir.

Façamos-lhe justiça, reconhecendo que conseguiu o seu intento. Com as lições continuas que the ministrou o seu bemfeitor, e que o negro, gratissimo, não se cansa de pôr em relevo, Gama realizou a mais inacreditavel obra de cultura autodidática, num prazo de tempo curtissimo que se pode apanhar dentro de datas perfeitamente verificadas. Logrou-o de uma maneira curiosa. Gama obteve autorização para ler os livros da biblioteca do conselheiro Furtado, que devia ser notavel e muito bem organizada, como competia a um mestre da Faculdade de Direito de São Paulo. E o humilde soldado, voluntario e pirrônico, realiza então, esta tarefa formidavel: leu todos os livros da coleção que lhe oferecia o protetor e amigo, repassando-a com deleite e volupia.[1]. Isso explica como ele pôde organizar aquela sua grande bagagem de conhecimentos juridicos, que o fariam logo mais um dos mais acatados causídicos da Capital da Província, e a cultura e a nutrida leitura que ele revelaria, aos olhos assombrados do público, poucos anos depois.

  1. Informação do sr. Antonio dos Santos Oliveira.