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José de Lumbrelas, salvo pelo Silvestre, viera com elle para casa do Manuel Cherne.

Severina tratára desveladamente dos dois homens, prodigalisando-lhes todos os cuidados de uma enfermeira solicita, infatigavel e intelligente como poucas.

A gente da canôa, que acudira a tempo de pescar os dois naufragos, fôra largamente retribuida pelo hespanhol, um esbelto rapaz de 25 annos, engenheiro de pontes e calçadas, que visitava Portugal em viagem de estudo.

Quinze dias depois do naufragio, José de Lumbrelas fôra hospedar-se para casa de um negociante inglez, correspondente do pae. E alli se deixára ficar, encantado, affirmava elle, com o aspecto, desartificiosamente pittoresco, d'esse burgo de pescadores, adormecido no seio do oceano.

Ao entardecer, Lumbrelas ia vêr os seus amigos, os seus salvadores, conforme os designava.

Brincava com as crianças, que lhe chamavam o sr. Pepe, conversava com o Manuel Cherne, perguntava pelo Silvestre c, por vezes, os seus grandes olhos pretos, que lhe illuminavam a tez morena, sombreada pela barba á Guisc, cravavam-se ardentemente cm Severina.

A filha do pescador ouvia-o silenciosa, enlevada na sonoridade d'essa voz de homem finamente educado, exprimindo no viril idioma de Cervantes idéas elevadas, phrases de uma estranha graça suggestiva.

Só, no seu pequenino quarto, Severina via-o, fallava-lhe, confiava-lhe a torturante historia da sua mocidade, perseguida por uma visão allucinadora; via no escuro da noite esses dois olhos negros, profundos como o oceano, que a deslumbravam.