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O velho, muito affeiçoado ao Silvestre, o seu braço direito, conforme asseverava, esfregava as mãos e de vez em quando referia uma historieta, allusiva aos bons tempos da mocidade, ou calculava os prós e contras da pescaria, que deveria realisar-se no dia immediato.

Nos serões de inverno, agrupavam-se todos á beira da chaminé, onde crepitava a lenha, despedindo clarões rubros que purpureavam as caras.

E lá fóra, o furacão assobiava nas desertas landes e nas dunas, erguidas na sua espectral alvura como um cortejo de fantasmas.

A espaços, o mar estrondeava de cncontro aos rochedos, como uma salva de artilheria disparada por uma armada invencivel, ou gemia, arrastando na praia o seu longo soluço dilacerante.

Instinctivamente, as crianças coziam-se com a parede ou embrulhavam-se nas saias da Severina, como que a pedir-lhe protecção, e todos fallavam a meia voz, cedendo á impressão de terror que vinha da noute escura, do céo tragico, do mar ameaçador e do vento ululante.

N'essas horas de inconsciente pavor, transmittido pelos elementos sublevados, exercendo a sua influencia dominadora sobre o miseravel ser humano, Silvestre fitava insistentemente Severina e recebia no peito, como uma caricia lenta, de uma doçura divinamente consoladora, o seu olhar azul e calmo, o seu meigo sorriso, vagamente doloroso.

IV

Que estranha tristeza annuviava o coração d'essa bonita rapariga, ardentemente amada por

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