A bíblia
EM UM DIA DE TRISTEZA
É qual estreito vaso o peito humano,
Que trasborda, ou se quebra, se fermenta
O veneno que encerra.
De gota em gota o fel da desventura
N'alma a tristeza vai-nos embebendo,
Té que o corpo converte-se em masmorra,
De que a alma fugir busca.
Oh! quem vê uma flor que em prado brilha,
Parecendo exalar vida, e doçura,
E rir-se em cada pétala viçosa,
Acaso dizer pode
Se ela foi pela serpe inficionada?
Se em vez de vida, a morte só lhe lavra
O delicado estame?
Quem pode ver o formigueiro oculto,
Que o humano coração rói, e lacera?
Se eu sofro, ou não, só eu, só Deus o sabe.
Mas feliz quem nos seios de sua alma
Acha uma grande idéia que o consola,
Como uma taça de suave néctar,
Que lhe acalma as entranhas sequiosas.
Quem se resigna à dor não sofre tanto.
Que veneno aí há que um bem não faça?
Ou que remédio que não cause um dano,
Segundo o caso, e leve circunstância,
Que à vista perspicaz escapa às vezes?
Não, não és tu, Filosofia humana,
Quem me robora o peito!
Sábias lições de sofrimento ditas;
Mas o valor acaso dar tu podes?
Quantas vezes o mal frustra a ciência!
Pura fonte conheço, inexaurível,
Onde sempre o infeliz adoça as dores.
Livro sagrado,
Vem consolar-me,
Vem saciar-me
Na minha dor.
Meu peito ansiado
De ti carece,
Sem ti falece
O meu vigor.
A ti recorro
Triste e sedento,
Que este tormento
Me faz gemer.
Dá-me socorro
No mal extremo,
Vem, senão temo
À dor ceder.
Cada palavra,
Que me vás dando,
É qual um brando,
Suave mel.
Já em mim lavra
A paz do empíreo;
Do meu martírio
Se adoça o fel.
Julho de 1836
AO CORONEL ANTÔNIO DE SOUSA LIMA DE ITAPARICA
Oferece o autor o Cântico de Waterloo
Quem melhor que um herói sopesar pode
As cinzas de outro herói? Quem melhor que ele
Pode dar o valor aos grandes feitos?
Tu vás a Waterloo; tu vás sentar-te
Aos pés desse leão, que as mãos dos homens
Sobre vasta pirâmide elevaram,
Para narrar às gerações futuras
Raros prodígios da potência humana.
Intrépido soldado peregrino,
Que depois de salvar Itaparica,
Guardaste na bainha a espada ufana,
E as ciências cultivas incansável;
A teus olhos, de ver insaciáveis,
Já vai a terra parecendo estreita!
Se te é grato escutar os sons da lira;
Se tu, que viste de Virgílio o túmulo,
De Horácio a casa, e a casa de Mecenas,
Podes com gosto murmurar meus versos,
Este cântico aceita, que te ofreço
Em sinal de respeito, e de amizade.