Alvará régio que cria a Capitania Geral dos Açores
(Livro do Registo da Câmara de Angra, fl. 296)
Eu el-rei faço saber aos que este alvará de lei e regimento virem que constituindo as ilhas Terceiras vulgarmente chamadas dos Açores, adjacentes a estes Reinos, uma tão considerável parte deles:
E sendo as mesmas ilhas, pela benignidade e fertilidade de seu clima e pelos distintos vassalos que nelas têm os seus domicílios tão dignas da mesma providência, com que os senhores reis meus predecessores ocorreram aos governos político, militar, e civil de todas e cada uma das províncias dos mesmos Reinos, e do estado do Brasil e mais domínios ultramarinos, criando nelas governadores e capitães-generais, que presidissem com a devida autoridade aos referidos governos político, civil, e militar:
Fui servido criar governador e capitão-general das sobreditas ilhas, para nelas presidir aos sobreditos governos, debaixo das disposições contidas no regimento seguinte.
Mando que o mesmo governador e capitão-general novamente criado e todos os seus sucessores tenham a sua residência ordinária na cidade de Angra, e que logo que chegarem a ela mandem apresentar a sua carta patente aos juízes, e oficiais da Câmara para com eles ajustarem o dia e hora da posse que houverem de tomar, procedendo-se nela com toda a solenidade costumada em semelhantes casos; formando-se disso os autos necessários, pelos oficiais a que tocar; e registando-se as patentes e provisões que as acompanharem nos livros da Câmara e da minha fazenda, para ficarem servindo de regra inalterável nos casos ocorrentes.
Os mesmos governadores e capitães-generais, logo que houverem tomado a referida posse, passarão a informar-se de todos os oficiais pagos, de auxiliares, e das ordenanças, e mais cabos, e soldados que nela se acharem: formando um mapa militar de cada uma das referidas ilhas, com as divisões dos corpos que acharem formados em cada uma delas; com as declarações dos soldados que vencem por dia, mês, e ano, os que recebem paga e do número de guarnições que costumam presidiar as fortalezas; e do estado de cada uma das referidas oficinas; assim pelo que toca à idade, e saúde, como pelo que pertence ao posto e aptidão para meu real serviço. Consequentemente examinarão o número das fortalezas que servem de defesa a cada uma das referidas ilhas; o estado em que se acham os edifícios delas, os reparos de que necessitam; e despesa que por orçamento será necessária para elas serem reedificadas: o número e estado da sua artilharia em peças e morteiros, carretames, palamentas e munições de guerra, os artilheiros com que se acham servidas as mesmas fortalezas: formando um mapa de cada uma delas com as sobreditas explicações para ser anualmente remetido à minha real presença pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.
Havendo mandado levantar um regimento de infantaria e artilharia com a denominação de Regimento Insulano — consistente no primeiro plano, estado-maior, e número de companhias declarado no alvará da sua fundação; será da obrigação do mesmo governador e capitão-general, remeter-me à minha real presença cada três meses, um mapa do mesmo regimento, com informação do estado dele, e de cada um dos seus oficiais; e isto além dos outros mapas que mandará à minha real presença imediatamente.
O mesmo praticarão os sobreditos governadores e capitães-generais pelo que pertence às companhias de auxiliares e ordenanças de todas, e cada uma das referidas ilhas, mandando à minha real presença os mapas a elas respectivos com a informação dos números, e qualidades dos oficiais, e soldados delas, por agora para se reduzirem a terços, e depois para se proverem os postos de mestre de campo nas pessoas principais das mesmas ilhas, e os dos sargentos-mores, e ajudantes da mesma sorte que se pratica em todas as províncias destes Reinos, sem diferença alguma.
Pelo que toca à minha real fazenda, logo que os mesmos governadores, e capitães-generais tomarem entrega do governo, farão outros semelhantes mapas dos oficiais da mesma fazenda, com a distinção das repartições em que cada um deles exercitar: e das suas qualidades pessoais, e préstimo que tiverem, ou não tiverem: outro mapa das rendas, de que se compõem as receitas das mesmas ilhas, com a distinção de cada uma das partidas que entrarem nas mesmas receitas: E outro mapa das respectivas despesas, dividido nos três artigos de folha eclesiástica, de folha civil e de folha militar; remetendo todo o referido à minha real presença pelo inspector-geral do meu Real Erário, e cumprindo todas as ordens, que no meu real nome lhe forem expedidas pelo mesmo Erário.
Porque a minha principal obrigação, e o meu primeiro objecto da minha real piedade foi sempre, e será o de proteger como rei a igreja e seus ministros em tudo o que a razão e a justiça o podem permitir; e porque como Grão-Mestre da ordem militar a que pertencem as referidas ilhas tenho nelas a jurisdição ordinária que exercito pelo meu tribunal da mesa da consciência e ordens: Mando que os ditos governadores e capitães-generais tenham com o bispo, prelados das ordens regulares e mais pessoas eclesiásticas toda a boa condescendência: auxiliando-os em todos os casos que o direito determina, para tudo o que pertencer à sua jurisdição espiritual, distinta da temporal, que sempre se deve guardar, igualmente ilesa em benefício dos meus vassalos, e até da mesma igreja, de que sou protector em meus Reinos e domínios.
Pelo que toca ao governo político e civil, exercitarão os mesmos governadores e capitães-generais toda a cumprida jurisdição, que nestes Reinos exercitam os regedores das justiças da Casa da Suplicação, o governador da Relação e Casa do Porto, e o governador e capitão-general do Reino do Algarve. E pelo que pertence ao militar exercitarão semelhantemente a jurisdição de que usam os generais a cujo cargo está o governo das armas das províncias dos mesmos Reinos, para fazer observar nas referidas ilhas todos os regulamentos e leis militares que foram publicados desde o primeiro regulamento de infantaria, impresso no ano de 1763, os quais devem servir de únicas regras para tudo que forem tropas pagas e regulares.
Os mesmos governadores e capitães-generais me enviarão no mês de Junho de cada um ano pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino exacta informação de todos e cada um dos bacharéis que servirem nas referidas ilhas debaixo de sua inspecção, declarando as qualidades da literatura, prudência, préstimo, limpeza de mãos, acolhimento das partes, e mais qualidades que houver ou faltar de cada um dos sobreditos, para eu os atender conforme os seus merecimentos, ou para prover de remédio nos casos ocorrentes. O mesmo praticará pelo que pertence aos ministros da minha real fazenda.
Não poderão porém os sobreditos governadores e capitães-generais criar oficiais de novo; acrescentar emolumentos aos já criados, nem darem entretenimentos a praças mortas, ou soldados reformados; sem preceder especial ordem minha, e, havendo necessidade, me consultarão as sobreditas matérias nos casos ocorrentes.
Porque a experiência tem mostrado que dos úteis e necessários estabelecimentos das Câmaras se tem feito nas destes Reinos, de muitos anos a esta parte grandes usurpações, que o mesmo haja sucedido nas referidas ilhas: Ordeno que os mesmos governadores façam examinar se das serventias, logradouros, sesmarias, e mais bens dos conselhos se tem feito pelos oficiais delas algumas usurpações. E que achando haverem sido feitas, as façam restituir de pleno, e verbalmente, na conformidade da minha lei novíssima de 23 de Julho do presente ano do 1766.
Considerando que nenhum povo pode subsistir sem que a justiça tenha para castigar os delitos com a facilidade que coíba aqueles que os cometem, na esperança de que acharão asilo nas delongas dos meios judiciais; quais são as cartas de seguro, nos termos ordinários dos processos: mando que as mesmas leis da polícia estabelecidas em 25 de Junho de 1760, em 19 de Agosto do mesmo ano de 1760; de 20 de Outubro de 1764, se observem inviolavelmente nos casos nelas declarados, para serem praticados em todas as referidas ilhas, tendo o corregedor delas a jurisdição de que usa o intendente geral da polícia nesta Corte e cidade de Lisboa, praticando a respeito dele os juízes de fora da mesma, e das mais ilhas, o mesmo que o corregedor e juiz do crime da cidade de Lisboa praticam com o sobredito intendente geral da polícia: sentenciando-se os processos e na presença do mesmo governador, e capitão-general, em junta composta do corregedor, e provedor da fazenda da cidade de Angra, dos juízes de fora da mesma cidade e da Vila da Praia, até à pena de degredo; e nos casos das coimas que merecerem a pena capital serão também convocados os juízes de fora das três ilhas mais vizinhas; e as sentenças proferidas nas referidas juntas, e nos conselhos de guerra serão dadas à execução na sobredita cidade capital.
Porque por muitas, e muito justas causas se acha proibido aos ministros de justiça, fazenda, e oficiais de guerra atravessarem fazendas ou fazerem monopólio dos frutos das terras para comerciarem, ou mandarem por terceiras pessoas fazer lanços nos contratos da minha real fazenda, ou nos bens dos particulares que vão à praça; ou pôr preços definidos aos géneros de venda; ou fazerem sequestro sem ordem da justiça ou intrometerem-se nas eleições das câmaras para não serem livres: ordeno que o que se acha determinado aos ditos respeitos se observe pelos ditos governadores, e capitães-generais, e que as sobreditas leis, alvarás e ordens se registem a esse fim nos livros da minha real fazenda, e das Câmaras das referidas ilhas.
Vagando alguns ofícios da justiça, ou fazenda, poderão os ditos governadores e capitães-generais prover as serventias deles em pessoas idóneas para os exercitarem, enquanto eu não mandar o contrário, dando-me porém logo conta da vagatura dos referidos ofícios, pondo-os a concurso para serem providos em pessoas das respectivas terras que sejam idóneas para bem os serviram, e dirigindo-me pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino os autos dos mesmos concursos com três oponentes, para eu resolver o que achar por bem ao meu real serviço, e bem comum dos meus vassalos.
Proíbo que os ditos governadores e capitães-generais mandem fazer pelos oficiais de minhas fazendas, despesas algumas que não sejam as que se acham estabelecidas pelas minhas leis e ordens. No caso de mandarem fazer outras despesas que se não achem expressadas nas ditas leis e ordens, lhe replicarão com elas os respectivos oficiais. E se não obstante isso lhe ordenarem que façam as referidas despesas, as farão debaixo de protestos, dando-me conta pelas primeiras embarcações, aos que se oferecerem do que houver passado ao dito requerimento, para eu sobre isso determinar o que me parecer justo.
Porquanto pelo regimento de artilharia e infantaria que tenho mandado levantar na referida cidade de Angra, terá o castelo de S. João Baptista do Monte do Brasil com que formar a sua guarnição, devendo ter na dita fortaleza os seus quartéis os oficiais e soldados do mesmo regimento: Sou servido abolir o governador, tenente capitão, e mais oficiais de pé de castelo que nele houve até agora, ordenando que o coronel do sobredito regimento seja governador do mesmo castelo, e que as suas guarnições, guardas e serviço, sejam em tudo reguladas como estão as praças principais deste Reino, conservando-se somente ante o pé antecedente, o médico, o cirurgião da dita fortaleza, o almoxarife, e o escrivão do seu cargo.
Ordeno que o dito governador vença de soldo assentado na primeira plana da folha militar, dois contos e quatrocentos mil reis em cada um ano, pagos aos quartéis no primeiro dia de cada um deles; sem que contudo possa ordenar aos oficiais da fazenda outro algum adiantamento, ou forma de solução além da referida.
O secretário do referido governo que para ele criei, também de novo, mando que vença o soldo de quatrocentos mil réis cada ano, pago aos quartéis na sobredita forma.
— E este se cumpra tão inteiramente como nele se contém, sem dúvida ou embargo algum, não obstante quaisquer leis, ou regimentos, ordenanças, alvarás, resoluções, decretos ou ordens quaisquer que elas sejam; porque todos e todas hei por derrogadas para esse efeito, somente como se deles e delas fizesse especial menção, enquanto forem opostos ao mesmo regimento ficando, aliás em seu vigor. E este valerá como carta passada pela chancelaria, posto que por ela não há-de passar, e ainda que o seu efeito haja de durar mais de um e muitos anos, e tudo sem embargo das ordenações que dispõem o contrário. E este se registará nos livros das Câmaras de todas e cada uma das referidas ilhas, e o original será posto na Torre do Tombo. — Dado no Palácio de Nossa Senhora de Ajuda, a 2 de Agosto de 1766. — Rei — Conde de Oeiras.