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Candido de Figueiredo 1913/Volume 1/Conversação preliminar/IV

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IV

A orthographia


A orthographia, que, para os antigos padres-mestres, era uma parte da grammática, está reduzida actualmente a um intricado e curioso problema.

Àparte meia dúzia de eruditos, que tomam o assumpto a sério, a generalidade dos nossos escritores modernos observam a orthographia que lhes ensinaram ou aquella a que se habituaram, preoccupando-se mediocremente com a razão do que escrevem.

Todos os escritores estão convencidos de que orthographam bem e, entretanto, cada qual ortographa de sua maneira. Como descargo de consciência, suppõem praticar a orthographia usual. A orthographia usual reduz-se á orthographia de cada um, o que dá em resultado cem ou duzentas orthographias differentes e quási todas autorizadas.

Officialmente, considera-se modêlo a orthographia do Diário do Govêrno. É verdade que o próprio Govêrno, isto é, os ministros, só a praticam nas columnas da mesma fôlha; cá fóra, praticam o que lhes ensinou o professor de primeiras letras, cuja orthographia já brigava com a do professor da vizinha escola.

O uso dos doutos é outro bordão, que de nada serve porque o uso do douto Garret não é o uso do douto Herculano; o uso dêste não é o de Castilho; o de Castilho não é o de Latino, e assim por deante. Lembremo-nos de que Herculano escreveu outomno e Castilho outono; Camilo graphou filósopho; Garret usava mattar, cinquenta, fummo, entrehabrir, e outras extravagâncias do mesmo gênero.

Êste facto, só o não vê quem fôr cego de vontade.

De maneira que os diccionaristas, julgando que tem igual direito ao dos outros escritores, escrevem geralmente como entendem, condemnando implicitamente todas as fórmas divergentes.

Consequência: lemos glycose e ouro num livro, procuramos êstes termos num diccionário, e não os topâmos porque o diccionarista escreve glucose e oiro. Ou vice-versa.

Ora, o diccionarista não tem o direito de escrever somente como entende. A sua missão não é preconizar systemas, nem fazer reformas, nem manter intolerantes exclusivismos. Àparte os termos que êlle só conhece de outiva ou que colheu da linguagem oral, e que tem de reproduzir phoneticamente, se a etymologia, a a derivação, ou a analogia lhe não aconselham outro processo, todos os vocábulos que êlle viu escritos, sob a responsabilidade de um escritor antigo ou moderno ou sob a chancella da prática corrente numa época, tem de os reproduzir taes, quaes os viu; e, se a fórma varía de escritor para escritor ou de época para época, essas variantes devem fazer parte do seu trabalho, sob pena de sensíveis imperfeições ou de lastimosas deficiências.

 

Por isso é que o leitor encontrará nesta obra numerosas variantes autorizadas; e nem de outra fórma o Diccionário reproduziria, como deve, o estado actual da escrita portuguesa. Veja-se idéa e ideia, pae e pai, philósopho e filósofo, ouro e oiro, distincto e distinto, escripto e escrito, lyra e lira.

Claro é que, entre duas ou mais variantes de um termo, tenho de pôr na primeira plana, para o effeito da definição ou do significado, a fórma que tem por si o uso mais geral, excepto quando tal uso é diametralmente opposto ás regras e aos preceitos da sciência da linguagem, como em civilisar, portuguez, atraz, atravez, etc.

Portanto, as convicções do autor sôbre orthographia portuguesa retrahem-se nesta obra, para dar lugar ás convicções da maioria do público ledor e ás praxes mais geralmente seguidas. Aliás, poria êlle na última plana, se as não expungisse inteiramente, todas as fórmas orthográphicas, em que apparece o inutilíssimo y, o prejudicial ch por c ou q, o falso ph, o falso th, as consoantes geminadas, e todas as convenções que, sem valor scientífico, só servem para difficultar a extincção do analphabetismo e tornar a escrita portuguesa um privilégio de sábios.

Mas o Diccionário é o que deve sêr: reproducção de factos e não tribuna de reformador.

Se me estimulassem prurídos de reforma, e se esta obra não fôsse um Diccionário da Língua, eu diria a todos que escrevem: — «Sêde embora etymologistas, mas sêde-o como a Itália e a Espanha, que, possuindo os idiomas mais irmãos do nosso, simplificaram a sua orthographia, uniformizando a sua escrita e facilitando o conhecimento da língua; e vereis como as crianças e os estrangeiros aprenderão facilmente a lêr: física..., filosofia..., corografia..., teatro..., liceu..., química..., iguais..., cadela..., retórica...»

Mas isto são assumptos infinitamente pequenos, no conceito geral da nossa oligarchia literária. Consola-me, porém, a resignação do velho Moraes que, preambulando o seu Diccionário, já ponderava, como bom conhecedor da sua terra:

— «Quanto á Ortografia que segui, declaro altamente, e de bom som, que na maior parte a sigo contra o meu parecer, e porque assim o querem. Eu sou pela Ortographia Filosófica, a qual, fundada na analise dos sons proprios, ou vogaes, e na de suas modificações, pede que a cada um se dê um só sinal, ou letra privativa, distinta, e que não represente nenhum outro som ou consoante. Deste voto eram João de Barros, o célebre Duclos, e o immortal Franklim... cujos nomes aponto para confusão dos que não valem tanto como estes...» —

E, já antes de Moraes, o audaz e superior espírito do grande Luís Antonio Verney reconhecia a improficuidade dos seus esforços em tornar simples e racional a complicada, e por vezes absurda, orthographia acadêmica. Dizia êlle:

— «...isto de emendar o mundo e principalmente o querer arrancar certas opiniões do animo dos homens envelhecidos nellas e consagradas já por um costume de que não há memoria, é negócio que excede as forças de um só homem...» —

E o Padre António Vieira sentenciava:

— «Quem entra a introduzir uma lei nova não póde tirar de repente os abusos da velha.» —

Quando humanistas e lexicógraphos da craveira de Verney e Moraes recuavam perante o colosso da rotina e da indifferença, ¿de que valeriam os meus esforços a favor da possível simplificação orthográphica, embora estribados no saber e na convicção dos poucos que, entre nós, logram incontestável competência em matérias philológicas?

A muito me aventuro eu, dando o lugar de fórmas permittidas, e até plausíveis, a graphias que poderão indignar a ingênua e pacata rotina; e a muito mais desejava que eu me aventurasse a notabilíssima escritora europeia, glória nossa e da sua terra, a Senhora Michaëlis. Folgaria ella de que eu registasse as variantes opostas ao uso das consoantes geminadas: elipse, ela, aquela, nulo...

Muitas registei de facto, mormente aquellas em que a geminação provém convencionalmente da assimilação de uma consoante de prefixo, como ofício, oferecer, aparecer, suceder, acumular, etc.; mas registá-las todas sería duplicar a extensão da obra; e a necessidade dêsse registo fica attenuada desde que se consigne, em nome da sciência e do bom senso, que não é êrro evitar systematicamente a duplicação das consoantes, quando não sejam r e s.

E, depois, a eliminação das consoantes geminadas não me parece dos desideratos mais instantes para a racional simplificação da escrita, visto como, phoneticamente, tanto valem dois ll, dois pp, como um só[1].

 

Pela natureza especial da obra e pela difficuldade, se não desnecessidade, de se fazerem de uma vez todas as convenientes ou necessárias correcções na escrita mais usual, é esta a que o autôr do Novo Diccionário observa geralmente no decurso da sua obra; e a tal ponto reconhece a improficuidade das reformas precipitadas e o afêrro do seu país a rotinas, ainda as mais absurdas, que a pesar seu e contra os ditames da sciência, regista e deixa passar sem indignação muitas fórmas que a Philologia condemna, como geito em vez de jeito, sapato em vez de çapato, sarça em vez de çarça, salameleque em vez de çalameleque, grasnar em vez de graznar, etc., etc.

Sobretudo o ç inicial, embora sensatamente adoptado pelos nossos mestres antigos para os casos em que a sciência o impõe, como nos casos alludidos, não é melhoria que possa vingar já, taes são os calefrios que êlle desperta nos amoucos da rotina inconsciente.

Outras reformas há porém que, baseadas na sciência e na índole da lingua se vão enraizando já, com aprazimento de quantos se interessam pelo lustre da nossa língua. E assim é que, em livros das escolas públicas, em documentos officiaes e sobretudo em revistas e livros, organizados por quem não seja estranho ás noções scientíficas da língua, vemos já ir-se dilatando o uso de escrever, como se deve, português, francês, quís, mês, Luís, atrás, através, país, açucar, muçulmano..., em vez das fórmas explicáveis, mas não justificáveis, musulmano assúcar, paiz, atravez, atraz, Luiz, mez, quiz, francez, portuguez...

Como não escrevo grammática, nem faço aqui um tratado de Philologia, não ampliarei desmedidamente esta palestra, consignando os fundamentos daquellas rigorosas fórmas, aliás tão velhas como o português, em quanto as contrárias se baseiam em costumeiras, as mais velhas das quaes não têm dois séculos e foram determinadas pelo mais absoluto desconhecimento da sciência da linguagem, pela pobreza de notações typográphicas, e pela indolência ou idiosyncrasia de uma nação, que, entre as nações que se dizem cultas, é das raras, que ainda não consideram a accentuação gráphica elemento imprescindível da orthographia.

Taes assumptos estão amplamente tratados noutros livros, e até, embora succintamente, têm merecido especial consideração em livros meus. Neste Diccionário, a correcta escrita de cada vocábulo está implíctamente aconselhada na respectiva indicação etymológica. Porque a etymologia, á parte os casos em que a desconhecemos, a história da língua e a fórma que, em línguas irmans, se dá a vocábulos de fonte commum a outros nossos, são seguros recursos de quem deseja escrever como deve. A simples autoridade de qualquer escritor, ainda o mais eminente, e o râncido argumento do uso, só poderão prevalecer, quando escasseiem aquelles recursos. Para os tratados especiaes remeto pois o leitor menos affeito a taes assumptos, e hesitante ainda em quaesquer hypótheses orthográphicas.

Abro porém uma excepção, visto como esta obra vai parar a muitas mãos, que só folhearam algum compêndio escolar e que não podem folhear todas as obras que se têm escrito com mais correcção, nem os livros e dissertações, que já temos em nossa língua sôbre questões philológicas.

Refiro-me pelo menos a metade, se não á maioria, de um milhão de Portugueses, isto é, àquelles que logram a fortuna de escrever o seu nome e lêr por alto... Desde o Méthodo Facillimo, que lhes deram na escola, até o Almanaque do Lavrador, que lhes aponta as phases da lua, e até o periódico que diz mal do Govêrno e lhes recommenda um candidato a legislador, leram sempre portuguez e portugueza, e admiram-se ingenuamente de receber um Diccionário, que lhes fala da língua portuguesa.

É para êsses meus ingênuos compatrícios que eu vou trasladar para aqui o que, a tal propósito, deixei escrito noutro livro meu:

 

— «Portuguez e português são duas variantes da mesma palavra. Ora, entre duas variantes, naturalmente me inclino para a que se baseia na sciência, reforçada pelas tradições e pelo bom senso.

Portuguez é ainda fórma generalizada, e autorizada pela prática de alguns mestres, que nunca se preoccuparam de Philologia, até porque esta sciência póde dizer-se que nasceu há dois dias; mas é uma fórma puramente convencional. E direi porquê.

Os nossos velhos clássicos, como as typographias do seu tempo eram ainda mais pobres que as de hoje em accentos gráphicos, escreviam, um pouco á espanhola, frances, ingles, portugues. Viu-se porém que a orthoépia não correspondia á graphia, e notou-se que o z final costumava fazer agudas ou oxýtonas certas palavras: feliz, apraz, viuvez, arroz...; e, em vez de se recorrer aos accentos gráphicos, recorreu-se ao z para os substituir, introduzindo-se em palavras que nunca os poderiam têr legitimamente: Pariz, Thomaz, quiz, poz, inglez, portuguez...

Demonstra-se facilmente que estas e outras palavras, escrevendo-se como manda a sciência da linguagem, não têm z, mas, sim, s. Restringindo-me porém a portuguez, não dou novidade, ponderando que todas as palavras têm a sua evolução, a sua história. Aquellas, cuja história é obscura ou desconhecida, e aínda algumas, cuja história foi completamente pervertida pelo uso popular, escrevemo-las como as pronunciamos; mas o maior número dellas, visto que lhes conhecemos o berço, temos que tratá-las consoante os seus títulos e genealogia.

Toda a gente saberá que Portugal deu primitivamente o adjectivo e substantivo portugalense, como Brácara deu bracarense, Conímbrica conimbricense, Ebora eborense, Setúbal setubalense...

A phase immediata da evolução de portugalense, pela lei glottológica do menor esfôrço, sería portugalens, que, por contracção, veio a dar portugalês.

Ora, a quéda de certas consoantes mediaes é phenómeno averiguado na evolução da linguagem românica; assim, de médio saiu meio; de videre saiu vier, veer, vêr; de malo saiu máo, mau; de coelo saiu céo, céu; de portugalês saiu portugaês > português.

Vejam se, nesta odysseia de séculos, o português achou algum z no seu caminho.

Não achou. O z que lhe appuseram é uma intrusão, um arrebique convencional, que tería desapparecido há muito, sem deixar saudades, se os nossos escritores tivessem tido a pachorra de pensar dois minutos no caso, e no bom senso de Alexandre Herculano que, na sua História de Portugal, e contra o uso dos seus contemporâneos, á excepção de Rodrigo Felner, escreveu sempre português, e nunca portuguez.» —

 

Quanto a outras graphias, que possam ferir a vista dos mais ingênuos ou dos menos lidos, julgo inopportuno alargar explicações, não só porque isso me daria volumes e não um prefácio, senão também porque, a tal respeito, creio bem que me não farão reparos os que na matéria têm voto preponderante. Conheço-os, e vou com êlles, salvo discrepâncias adiáphoras.

Mas, de relance ao menos, devo tocar alguns pontos orthográphicos, que poderão acaso sêr pretexto de reparos, aínda da parte do leitor sufficientemente esclarecido.

Refiro-me á apparente antinomia entre as graphias fruto e fructífero, mama e mammífero, etc. Não derivam ellas da minha tendência para a possível simplificação orthográphica: aliás, escreveria frutífero, mamífero, etc., e ficaria em paz com minha consciência. Mas, dês que eu subscrevo nesta obra as praxes mais usuaes, tenho de dizer que a graphia simplificada fruto, mama, gota, cana, etc., está justificada e praticada pela quási totalidade dos bons escritores portugueses, visto que todos escrevem agora, atar, matar, pranto, corda, etc., que teriam de escrever chorda, prancto, mactar, aptar, haghora, etc., se observassem a etymología. Quere dizer: quando uma palavra perde o seu carácter erudito e se torna popular ou vulgar, a orthographia etymológica nem pelos mais intransigentes etymologistas é praticada. A difficuldade está em traçar a linha divisória entre as palavras vulgares e as eruditas; mas, pelo menos com aproximação, quási todos poderão reconhecer num vocábulo o cunho erudito ou a feição popular.

E se, em vocábulos que certos escritores escrevem eruditamente, eu prefiro a fórma phonética, é porque disto me dão exemplo os escritores e diccionaristas mais afincados em processos etymológicos. O Diccionário Contemporâneo por exemplo, tão affeiçoado ás etymologias, que usa abhorrecer e outros exaggerados etymologismos, também usa sete, orfão, santo..., e não sancto, órphão ou orpham, septe..., que seriam as fórmas mais concordantes com abhorrecer; e hábeis latinistas escrevem para as escolas, com approvação official, ditongo, escrita, escritura... Ora, mal avisado andaria se, desacatando tão salutares exemplos, fôsse mais etymologista que os etymologistas e desprezasse as práticas, com que êlles se aproximam do meu ideal de simplificação orthográphica.

Dado o exemplo, e estabelecidos louváveis precedentes em favor da orthographia phonética de muitos vocábulos vulgares, procurei dotar o nosso vocabulário com um pouco de uniformidade e coherência, preferindo as graphias junto, distinto, esperto, estender, espremer, contrato, etc., a contracto, expremer, extender, experto, distincto, juncto, etc., hypótheses, em que as irregularidades, incongruências e contradicções dão vulgaríssimas em diccionários nossos.

 

Casos há, em que a fonte latina de palavras nossas exhibe duas fórmas differentes, uma com geminação de consoantes e outra sem essa geminação. Geralmente, o lexicógrapho etymologista prefere a fórma complicada; e assim, vemos nos nossos diccionários sollicitar, porque o latim tem sollicitare. Mas o latim também tem solicitare; e como, entre duas fórmas, a lógica e o bom senso me ordenam que prefira a mais simples, explicado fica porque o Nôvo Diccionário prefere solicitar.

Esta explicação abrange muitos outros casos análogos e revelará que me esforcei por levar um pouco de ordem e coherência á nossa chaótica e maltratada orthographia.

 

De acôrdo com a índole e tradições da nossa língua e com os ensinamentos dos bons mestres, nomeadamente Castilho, dei a vários estrangeirismos indispensáveis uma fórma genuinamente portuguesa, substituindo o cotillon, o wagon, o pret, o bonet, pelo portuguesíssimo boné, pelo simples pré, vagão, cotilhão... Não é novidade que mereça prêmio, mas é suscitar, mais uma vez, a necessidade e o dever de não darmos levianamente direitos de cidade àquillo que despreze e não use o legítimo traje nacional.

 

Já agora, não farei ponto neste capítulo, sem uma ligeira referência ás terminações verbaes ão e am, e ao suffixo verbal izar.

Aquellas terminações têm variado de fórma no decurso dos tempos; e a Philologia acha-as ambas legítimas, sejam ellas oxýtonas ou paroxýtonas. E, assim, eruditos philólogos escrevem o pretérito louvárão e o futuro louvarão, em quanto outros orthographam louváram e louvarám.

Ao mesmo tempo, o uso mais generalizado apresenta-nos o pretérito louvaram e o futuro louvarão; e, visto que as duas terminações são igualmente legítimas, visto que adopção exclusiva de uma importa dispêndio de accentos num país que tão avesso lhes é, e visto parecer-me útil que a terminação ão pertença em regra ás palavras oxýtonas e a fórmas monosyllábicas, (dão, são, tão), acceito e pratíco o alludido uso, hoje generalizado, de se escrever o pretérito louvaram, o futuro louvarão, o presente dão e são.

A Philologia não soffre com êste uso, e lucra-se alguma coisa, creio, em simplicidade e em coherência.

 

Quanto ao suffixo verbal izar, não há grande razão de queixa contra a prática dos nossos diccionários, os quaes felizmente consignam geralmente a bôa doutrina a tal respeito.

Mas é tal a desordem gráphica em grande número dos nossos escritores, quanto ao emprêgo do z e do s intervocálico, que até em Latino Coelho podemos lêr civilisar, realisar, rasão, empreza, graphias certamente indesculpáveis, mormente em escritores de tão elevada e justa reputação como a do grande prosador da Oração da Corôa.

Antolha-se-me portanto que não é ocioso insistir ainda na preconização de uma verdade incontestada: que em bôa escrita portuguesa não há o suffixo isar, mas izar, do grego izein: realizar, civilizar, idealizar...

Notas

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  1. Escrevia-se isto em 1899. Annos depois, foi officialmente adoptado um processo orthográphico de simplificação, que aboliu as consoantes geminadas, o y, o k, os grupos ph, th, rh, ch (=k), etc. Nesta nova edição portanto, a par das palavras que, etymologicamente e segundo o uso, tem consoantes geminadas, regista-se a correspondente fórma simplificada.