Discurso de Tomada de Posse do Presidente João Goulart perante o Congresso Nacional (7 de setembro de 1961)

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Brasília, 7 de setembro de 1961.


Perante o Congresso Nacional, ao assumir a Presidência da República.


Assumo a Presidência da República consciente dos graves deveres que me incumbem perante a Nação. A minha investidura, embora sob a égide de um novo sistema, consagra respeitoso acatamento à ordem constitucional. Subo ao poder ungido pela vontade popular, que me elegeu duas vezes Vice-Presidente da República e que, agora, em impressionante manifestação de respeito pela legalidade e pela defesa das liberdades públicas, uniu- -se, através de todas as suas forças, para impedir que a decisão soberana fosse desrespeitada. Considero-me guardião dessa unidade nacional, e a mim cabe o dever de preservá-la, no patriótico objetivo de orientá-la para a realização dos altos e gloriosos destinos da Pátria brasileira.

Não há razão para ser pessimista, diante de um povo que soube impor a sua vontade, vencendo todas as resistências, para que não se maculasse a legalidade democrática. A nossa grande tarefa é a de não desiludir o povo, e para tanto devemos promover, por todos os meios ao nosso alcance, a solução dos seus problemas, com a mesma dedicação e o mesmo entusiasmo com que ele soube defender a lei, a ordem e a democracia.

Neste magnífico movimento de opinião pública, formou-se, no calor da crise, uma união nacional que haveremos de manter de pé, com a finalidade de dissipar ódios e ressentimentos pessoais, em benefício dos altos interesses da Nação, da intangibilidade de sua soberania e da aceleração de seu desenvolvimento.

Permitam, entretanto, Senhores Congressistas, neste momento, uma reflexão que suponho seguramente tão sua quanto minha. Souberam Vossas Excelências resguardar, com firmeza, com honra e com sabedoria, o exercício e a defesa do mandato que a Nação lhes confiou. Cumpre-nos, agora, mandatários do povo, fiéis ao preceito básico de que todo poder dele mesmo emana, devolver a palavra e a decisão à vontade popular, que nos manda e que nos julga, para que ela própria dê o seu referendum supremo às decisões políticas que em seu nome estamos solenemente assumindo neste instante.

Surpreendido, quando em missão do meu País no exterior, com a eclosão de uma crise político-militar, não vacilei um só instante quanto ao dever que me cabia cumprir. Desde logo pude avaliar a extensão e o sentido exato da mobilização de consciências e vontades em que se irmanaram os brasileiros, para a defesa das liberdades públicas. Solidário com as vivas manifestações das nossas consciências democráticas, de mim não se afastou, um momento sequer, o pensamento de evitar, enquanto com dignidade pudesse fazê-lo, a luta entre irmãos. Tudo fiz para não marcar com o sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe à nova Capital, o caminho que me trouxe a Brasília.

Sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares, sabem todos que, inclusive por temperamento, inclino-me mais a unir do que a dividir; prefiro pacificar a acirrar ódios; prefiro harmonizar a estimular ressentimentos. Promoveremos a paz interna, paz com dignidade, paz que resulte da segurança das nossas instituições, da garantia dos direitos democráticos, do respeito permanente à vontade do povo e à inviolabilidade da soberania nacional. Reclamamos a união do povo brasileiro e por ela lutaremos com toda a energia, para, sob a inspiração da lei e dos direitos democráticos, mobilizar todo o País para a única luta interna em que nos devemos empenhar, que é a luta pela nossa emancipação econômica, que é a luta contra o pauperismo, a luta contra o subdesenvolvimento.

Dirijo-me especialmente ao Presidente Paschoal Ranieri Mazzilli, cujas virtudes cívicas desejo proclamar; ao Congresso Nacional, que tive a honra de presidir nestes últimos seis anos, e que agiu, na emergência, na defesa intransigente do regime democrático; à Igreja Católica, que é a de minha confissão, e que desde o primeiro instante se manifestou pela legalidade, na voz autorizada dos seus mais ilustre prelados; às outras Igrejas que também defenderam a Constituição; aos estudantes, que lutaram intrepidamente pela preservação da ordem democrática; às forças da produção, que se colocaram ao nosso lado, por saberem que somos fator de equilíbrio, harmonia e conciliação no jogo das tensões sociais; à imprensa, ao rádio e à televisão, que, com indomável bravura, resistiram às violências e ameaças contra a liberdade de manifestação do pensamento; às Forças Armadas, que permaneceram fiéis ao espírito da democracia e devotaram-se à proteção da ordem jurídica; aos Governadores dos Estados que resistiram na defesa da legalidade; aos trabalhadores do Brasil, que deram uma impressionante demonstração de sua unidade, de modo pacífico e ordeiro, numa comovedora solidariedade na manutenção da ordem democrática; a todos, como Presidente da República, dirijo os agradecimentos do País e formulo um apelo para que não nos faltem, em nenhum momento, com o seu apoio e com a sua solidariedade, em nome dos mais sagrados interesses da Pátria comum.

Ao Poder Judiciário desejo prestar uma homenagem toda especial ao vê-lo, Senhor Presidente, cada vez mais prestigiado pela reafirmação popular de respeito e acatamento às leis.

Sob o meu Governo, todas as liberdades públicas estarão desde logo asseguradas, com a suspensão, Senhores Congressistas, de quaisquer medidas administrativas impostas contra as garantias estabelecidas na Constituição da República.

Senhores Congressistas:

O destino, numa advertência significativa, conduziu-me à Presidência da República na data da independência política do Brasil. Vejo, na coincidência, um simbolismo que me há de inspirar e orientar na mais alta magistratura da Nação. Peço a Deus que me ampare, para que eu possa servir à nossa Pátria com todas as forças, com energia e sem temores, para que possa defender, como os nossos maiores souberam fazê-lo, a independência do Brasil, a grandeza nacional e a felicidade do povo brasileiro.