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Princepe que de juro ſenhoreas
Dhum Polo, ao outro Polo o mar irado,
Tu que as gentes da terra toda enfreas,
Que não paſſem o termo limitado:
E tu padre Oceano, que rodeas
O mundo vniuerſal, & o tens cercado:
E com juſto decreto aſsi parmites,
Que dentro viuão ſo de ſeus limites.

E vos Deoſes do mar, que não ſoffreis
Injuria algũa em voſſo reino grande,
Que com castigo ygoal vos não vingueis,
De quemquer que por elle corra, & ande:
Que deſcuido foy este em que viueis?
Quem pode ſer que tanto vos abrande,
Os peitos, con razão endurecidos
Contra os humanos fracos & atreuidos?

Vistes que com grandiſsima ouſadia
Forão ja cometer o Ceo ſupremo,
Vistes aquella inſana fantaſia
De tentarem o mar com vella & remo:
Vistes, & ainda vemos cada dia,
Soberbas & inſolencias tais, que temo
Que do mar & do Ceo em poucos anos,
Venhão Deoſes a ſer, & nos humanos.