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A cidade e as serras
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todo alma!... Encha lá outra vez os copos, amigo Tôrto. Este cavalheiro aqui é o Snr. D. Jacintho, o fidalgo de Tormes.

Então, de traz da umbreira da taverna, uma grande voz bradou, cavamente, solemnemente:

— Bemdito seja o pae dos Pobres!

E um extranho velho, de longos cabellos brancos, barbas brancas, que lhe comiam a face côr de tijolo, assomou no vão da porta, apoiado a um bordão, com uma caixa de lata a tiracolo, e cravou em Jacintho dous olhinhos d’um brilho negro, que faiscavam. Era o tio João Torrado, o propheta da Serra... Logo lhe estendi a mão, que elle apertou, sem despegar de Jacintho os olhos, que se dilatavam mais negros. Mandei vir outro copo, apresentei Jacintho, que córára, embaraçado.

— Pois aqui o tem, o senhor de Tormes, que fez por ahi todo esse bem á pobreza.

O velho atirou para elle bruscamente o braço, que sahia cabelludo e quasi negro, d’uma manga muito curta.

— A mão!

E quando Jacintho lh’a deu, depois de arrancar vivamente a luva, João Torrado longamente lh’a reteve com um sacudir lento e pensativo, murmurando:

— Mão real, mão de dar, mão que vem de cima, mão já rara!.