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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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maneira esquivo. Segue-se logo que não se mudará a vida sem algum receio.

Porque se perca, imagine v. m. que para êste estado nasceu, e o criaram seus pais. Êste foi o que v. m. sabia o estava esperando. Êste lhe é próprio, o outro alheio. Ninguém se queixa de haver chegado ao fim de seu caminho.

Considere que aqui não padece alguma fôrça sua liberdade ; antes, assim como aquele que sobe açodado por uma escada ingreme, quantos mais são os degraus, mais deseja de achar um mainel em que descanse ; assim também, subindo o homem pela escada da vida, quantos mais são os anos, quanto mais soltamente os vai vivendo, tanto lhe é mais necessário o repouso de um honrado casamento ; que já por essa razão lhe chamamos estado, por ser não só fim, mas também descanso.

Tem v. m. subido, se não muitos degraus, digo, se não tem vivido muitos anos, vivido tem aqueles que bastem ; e ainda mal porque a tal curso, que bem pode já dar o descanso a que chega, por chegado ao melhor tempo.

Paga o filho a seu pai, em se casar, aqueles benefícios que recebeu dêle. Pois se seu pai não casára, o filho não fôra. Vão assim os homens contribuindo uns aos outros ; e todos à memória dos que lhes deram ser, a que, depois de Deus, somos mais obrigados que a tudo o mais.