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CAPITULO V
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As difficuldades contra as quaes tinha que luctar eram muito grandes, sobretudo a indisciplina e desorganização do exercito, que o interesse levaria a tudo (which might now be moved by interest to anything)[1]. E como a Rainha ia receber de herança a quantia consideravel de dous milhões e meio de cruzados (mil contos)[2], poderia dispor á vontade de dinheiro com que subornar as tropas e com ellas provocar uma revolta. Se as tropas inglezas não podiam acudir em protecção da regencia, faltando o motivo de um ataque estrangeiro, que ao menos — suggeria Dona Izabel Maria — viesse lord Beresford pôr os assumptos militares em bom feitio[3].

Segundo a infanta[4], Cadaval era um timido, Porto Santo um condescendente e Arcos apenas lhe prestava serviços. Ella transmittia estas impressões a Sir William A' Court — « com mais sagacidade e penetração do que prudencia », commentava este, ajuntando que a mesma falta de prudencia caracterizou a parte da conversa relativa ás suas relações de familia. As irmãs em Madrid não mais lhe escreviam e o que sobretudo a atormentava era a Rainha, decidida, segundo parecia, a mudar-se para o palacio da Ajuda e já tendo dado ordens para cerrar a pedra e cal a passagem que levava aos aposentos das infantas. Dona Carlota Joaquina gostava de estar á vontade e occultar, no dizer das más linguas, suas patusçadas, pelo menos das filhas. A imaginação da joven regente evocava porem perigos d'outra especie.

Porto Santo, que esperava na ante-camara o fim da entrevista com o embaixador, estava consternado (extremely low and out of spirits, escrevia Sir William) com o aspecto que tomavam as cousas e amargamente se queixou das intrigas que sobretudo fervilhavam na roda da regente e em que figurava como principal personagem o conselheiro Abrantes. Esses enredos, tudo adulterando e tudo aggravando, semeavam a desconfiança e abririam a discordia entre mãi e filha, arrastando o Estado sabe Deus para onde. O ministro sentia-se impotente para os

  1. Despacho secretissimo e confidencial de A' Court a Canning de 19 de Março de 1820, B. R. O., F. O.
  2. No seu despacho de 8 de Jula de 1826 escrevia A' Court que o calculo da infanta era exagerado, não indo o acervo do fallecido Rei alem d'esta somma (1. 200,000). O conde da Povoa, um dos commissarios encarregados do inventario, asseguron ao embaixador, que acreditou a sua palavra, não haver mais do que 250 contos (L. 50,000) em moedas e barras d'ouro, muitas areas que se suppunha cheias estando de todo vazias. O valor das joias não estava ainda orçado.
  3. O conselho de regencia, consultado a respeito no mesmo dia, achou desejavel mas não urgente o regresso da antigo commandante em chefe do exercito portuguez, preferindo aguardar a decisão do soberano, a menos que outra resolução não fosse aconselhada pela apparição de circumstancias imprevistas.
  4. Despacho citado de 19 de Março de 1826.