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Poema Negro

A Santos Netto

 

Para illudir minha desgraça, estudo.
Intimamente sei que não me illudo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares funebres, carrego
A indifferença estupida de um cego
E o ar indolente de um chinez idiota!

A passagem dos seculos me assombra.
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavallo de electricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.

Em vão com o grito do meu peito impreco!
Dos brados meus ouvindo apenas o echo,
Eu torço os braços numa angustia douda
E muita vez, á meia noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que ha de comer a minha carne toda!