Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/132

Wikisource, a biblioteca livre

se voltou, foi para a sua beleza de que se enamorou, onde quis deixar as marcas e o penhor do grande amor que ela lhe inspirara.

De fato, não há lugar no Rio de Janeiro que não tenha uma lembrança do simplório rei erisipeloso e gordo. De Santa Cruz à ilha do Governador, numa distância de vinte léguas, as há por toda parte; da ilha do Governador à Gávea, também; e no centro da cidade são inúmeras.

Com as más entradas daqueles tempos, talvez pouco piores que as de hoje, é incrível como esse homem, tido por preguiçoso, indolente, vadio, vencesse tão grandes distâncias, andando de um lado para o outro, só para gozar os pinturescos e pitorescos recantos de sua improvisada capital ultramarina.

Hoje, com bondes elétricos, automóveis e o mais, os nossos grandes burgueses, alguns, dados todos os descontos, mais ricos do que o príncipe regente, só sabem amontoar-se em Botafogo, em palacetes de um gosto afetado, pedras falsas de arquitetura, com as tabuletas idiotas de "vilas" (sic) disto ou daquilo.

E não era só o rei; a própria rainha foi-se para Botafogo, hoje "melindroso" e "encantador" mas, naquele tempo, roça perfeita; Von Langsdorff, cônsul geral da Rússia, tinha uma fazenda na raiz da serra, onde cultivava em larga escala a mandioca; Chamberlain, também cônsul-geral, mas da Inglaterra, era proprietário de uma chácara em Santa Tereza, para caçar borboletas e plantar café; um emigrado político, o conde de Hogendrop foi morar como simples roceiro da terra, nas Águas Férreas; e o pintor Taunay, membro do Instituto de França, que veio com a missão artística de Lebreton, foi residir com toda a família, nas proximidades da cascatinha da Tijuca.

A nossa burguesia atual, porém, é panurgiana e, por isso, banaliza tudo em que toca ou de que se utiliza. Darwin, quando passou por aqui, em 1832, habitou durante os belos meses cariocas de maio e junho uma pequena casa de roça, nas cercanias da baía de Botafogo. É impossível,