Página:Marános, Teixeira de Pascoaes, 1920.djvu/98

Wikisource, a biblioteca livre
94


Aquelas sensações voluptuosas
Que o Abril acende até nas proprias árvores!
O Outomno andava errante ... O seu cabelo
Ás brisas ondulava ... E a Deusa Céres,
Tendo, ao alto, na fronte, o sete-estrêlo,
Marcava a meia noite dos amôres.


E d'um soturno cêrro que emergia
Da nevoa branca e humida, Marános,
Na matutina luz cinzenta e fria,
Olhava um mar somnambulo de nevoas...
E, ao longe, escuros pincaros formavam
Phantastico archipelago deserto...
Grandes aguias, extaticas, pairavam
Tão altas, para além do proprio Outomno!


E Marános olhando a clara nevoa,
Sonho doce do mar, ali pousado,
Meditava: onde vae o sonho humano,
Quando de nós se afasta, já sonhado?
Fica mais só, mais triste a nossa vida
A cada sonho, sim, que vae do mundo.
E a cada branca nuvem que se forma,
Sente-se mais salgado o mar profundo...
Ó mar! Ó velho mar! existe alguem
Que vê, de perto, as nuvens que tu sonhas,
Tão remotas, pairando já no além
Do inconstante viver das tuas aguas!
Mas eu não sei! não sei, quem pode ver
Os meus sonhados sonhos que se alongam
Para lá d'esta vida e que, de certo,

Indefinidamente se prolongam!...