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SONETOS.
LXII.

De tão divino accento em voz humana,
De elegancias que são tão peregrinas,
Sei bem que minhas obras não são dinas;
Que o rudo engenho meu me desengana.

Porém da vossa penna illustre mana
Licor que vence as águas Caballinas;
E comvosco do Tejo as flores finas
Farão inveja á cópia Mantuana.

E pois, a vós de si não sendo avaras,
As filhas de Mnemosine formosa
Partes dadas vos tẽe ao mundo claras;

A minha Musa, e a vossa tão famosa,
Ambas se podem nelle chamar raras,
A vossa de alta, a minha de invejosa.



LXIII.

Debaixo desta pedra está metido,
Das sanguinosas armas descansado,
O Capitão illustre e assinalado
Dom Fernando de Castro esclarecido.

Este por todo o Oriente tão temido,
Este da propria inveja tão cantado,
Este, em fim, raio de Mavorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.

Alegra-te, ó guerreira Lusitania,
Por est'outro Viriato que criaste,
E chora a perda sua eternamente.

Exemplo toma nisto de Dardania;
Que se a Roma com elle anniquilaste,
Nem por isso Carthago está contente.