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Poesias ineditas
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Quando um dia o Senhor julgar que é finda
A missão que me deu de aqui servil-o.
Aqui fica-me a esp'rança que me alente,
Fica a luz que me guia, o Amor, a crença.

E foi Deus quem me deu o meu thesouro,
Como á ave que vôa deu a penna,
Que a libra pelo espaço; e ao olho morto
Do ancião, a luz que aponta melhor mundo.

Na assembléa dos homens, se um, olhando-me
Disser — «Aquelle é rei» — irei prostrar-me
Diante do Senhor, abrindo o espirito
Á voz que dentro d'elle Deus murmura;
E Deus vendo-me puro na consciencia
Dirá — «Ergue-te em paz: não és culpado» — !

Se sentir dentro d'alma alguma f'rida
Vertendo sangue e fel, em dor extrema,
Buscarei no Senhor o meu alivio:
E o Senhor, pondo um dedo sobre a chaga,
Dirá — «Fica-te em paz: estás curado» — !