Página:Urupês (1919).pdf/108

Wikisource, a biblioteca livre
— 103 —

De tão feio fugiu ao mundo e ha annos vive sosinho, entocado no matto, donde raras vezes sae e só á noite. O povo diz delle horrores, que come crianças, que é bruxo, que tem parte com o diabo. Todas as desgraças acontecidas no arraial correm á sua conta. Para mim é um pobre diabo cujo crime unico é ser feio demais. Perdeu a medida, e está a pagar o crime que não commetteu.

Vargas interveio, cuspilhando com cara de asco:

— Se o doutorsinho o visse!... Que bicho! E' a coisa mais nojenta deste mundo!

— Feio como Quasimodo? perguntou o da cidade.

— Esse não conheço, seu doutor, mas estou aqui estou jurando que o negro passa diante do... como é?

Eduardo apaixonava-se pelo caso.

— Mas, amigo Vargas, feio como? porque feio? explique-me lá essa feiura.

Grande parola quando lhe davam trela, Vargas entreparou um bocado e disse:

— O doutor quer saber como é o negro? Venha cá. Vossa Senhoria 'garre n'um juda de tabatinga e judie delle; cavoque o buraco dos olhos e afunde dentro duas brazas allumiando; metta a faca nos beiços e saque fóra os dois; 'rranque os dentes e só deixe um toco; entorte a bocca de viez na cara; faça uma coisa desconforme, Deus que me perdoe. Depois, como diz o outro, vá judiando, vá entortando as pernas e esparramando os pés. Quando cançar, descance. Corra o mundo campeando feiu'ra braba e applique o pior no estupor. Quando acabar 'garre no juda e ponha rente do Boccatorta. Sabe o que acontece? O juda fica lindo!

Eduardo desferiu uma gargalhada.