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— Mas afinal, para onde vamos, meu pae? Afundar no atoleiro como o Simas? Meu pae ji fez o testamento?

— Já, filha, chasqueou o major, e deixo o Boccatorta para ti.

Christina emmudeceu. Retransia-a em doses crescentes o velho medo de outr'ora e foi com um estremecimento arrepiado que ouviu ladrido proximo de um cão.

— E' Merimbico, disse o velho, estamos quasi.

Mais cem passos e a matta rasgava-se em clareira na qual Christina viu logo a biboca do negro.

Fez-se toda pequenina e achegou-se de Don'Anna, apertando-lhe nervosamente as mãos.

— Bobinha! Tudo isso é medo?

— E' peior que medo, é... não sei quê!

Não tinha feição de moradia humana a alfurja do monstro. A' laia de paredes, paus a pique mal juntos, entresachados de ramadas seccas. Por cobertura, presos com pedras chatas, molhos de sapé no fio, defumado e podre. Em redor, um terreirinho atravancado de latas ferrujentas, trapos e cacaria velha. A entrada era um buraco por onde mal passaria um homem de agacho.

— Olá, ó caramujo! Sae da toca que está cá o sinho moço e mais visitas! gritou o major.

Respondeu de dentro um grunhido cavo. Ao ouvir tão desagradavel som, Christina sentiu correr na pelle o arrepio dos pesadelos antigos, e num incoercivel movimento de pavor abraçou-se com a mãe.

O negro sahiu da cova meio de rastos com a lentidão de monstruosa lesma. A principio surdiu uma gaforinha arruçada, depois o tronco e os braços e a traparia immunda que lhe