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escondia o resto do corpo, entremonstrando, nos rasgões, o negror da pelle craquenta.

Christina escondeu o rosto no hombro de Don'Anna — não queria, não podia vêr.

Boccatorla excedia a toda pintura. A hediondez personificára-se nelle, avultando sobretudo, na monstruosa deformação da bocca. Não tinha beiços e as gengivas largas, violaceas, com raros cotos de dentes bestiaes fincados ás tontas, mostravam-se cru'as, como enorme chaga viva. E torta, posta de viez na cara; num esgar diabolico, resumindo o que a teratogenese póde compor de horripilante. Embora se estampasse na bocca quanto fosse preciso para dar áquella creatura a culminancia da ascosidade, a natureza malvada fora além, dando-lhe pernas cambaias, e uns pés deformados que nem remotamente lembravam a fórma do pé humano. E olhos vivissimos, que pulavam das orbitas empapuçadas, veiados de sangue na esclerotica amarella. E pelle grumosa, escamada de escaras cinzentas... Tudo nelle rompia o equilibrio normal do corpo humano, como se a teratologia caprichasse em crear a sua obra prima.

A' porta do casebre Merimbico, cachorro vulgar, todo ossos, pelle e sarna, rosnava contra os importunos.

Don'Anna e a filha retiraram-se, engulhadas. Só os homens resistiam á nauseante visão embora a Eduardo o tolhesse uma emoção jámais sentida, mixto de asco, piedade e horror. Aquelle quadro de suprema repulsão, novo para seus nervos, desnorteava lhe as idéas. Estarrecido como em face da Gorgona, não lhe acudia palavra que dissesse.

O major, entretanto, trocava lingua com o monstro que, em certo ponto, a uma pergunta alegre do velho arregaçou na cara um riso.