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— "E o ajudante? Tem-n'o cá? — perguntei.

O rosto do meu pharoleiro mudou de expressão. Vi de relance que eram inimigos.

— "E' aquelle estupor que pesca, — disse apontando da janella um vulto immovel, acocorado n'um penedo.

— "Está a apanhar garoupinhas. E' o Cabrea. Máu companheiro, máu homem...

Entreparou. Percebi que mascava uma confidencia difficil. Mas a confidencia denunciou-se apenas. Gerebita sacudiu a cabeça e murmurou como de si para si:

— "Está cá de pouco, e é o unico homem no mundo que não podia cá estar! Já reclamei, já mostrei o perigo ao capitão do poto, mas qual!...

Estranha creatura, o homem! Isolados do mundo n'aquella fragua, ambos naufragos da vida, o odio os separava... Não faltavam, entretanto, accomodações no pharol para as familias dos seus guardiães. Porque não as tinham ali? Seria um bocado de mundo a lenir as agruras do emparedamento. Interpellei-o, mas Gerebita retrucou-me de modo enviezado:

— "Familia não tenho, isto é, tenho e não tenho. Tenho, porque sou casado, e não tenho porque... Historias! Estas coisas de familia é bom que fiquem cá com a gente.

Notei de novo que, a pique d'uma revelação, mascava o segredo, por desconfiança ou pudor. Suas feições endureceram. Sombras más annuvearam-lhe a physionomia. E mais torvo inda me pareceu quando Cabrea entrou, sobraçando um balaio de pescado Typo de má cara, passou, em direitura á coisinha, sem nos volver um olhar. Mal se sumiu o bruto Gerebita exclamou "Raio do diabo!" perspe-