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rico : a fazenda viera-lhe ás mãos por intermedio da esposa. Fausto, na presença della mudava de tom. De natural brincalhão, embezerrava-se n'uma sisudez que me desconcertou ; e isto me disse que casaram os bens, os corpos, mas não as almas. Tambem Laurita se cohibia, e as creanças mostravam um odioso "bom comportamento" de metter dó. A mulher gelava-os a todos com o olhar duro e máu de senhora absoluta.

Foi um allivio o erguermo-nos da mesa. Fausto lembrára um gyro pelos cafesaes, e como já estivessem arreadas as cavalgaduras partimos. Logo depois voltou o meu amigo á expansibilidade anterior, com a alegre despreoccupação dos annos escolares. A conversa correu por mil veredas e por fim embicou para o thema casamento.

— Aquelle nosso horror á colleira matrimonial ! Como esbanjavamos diatribes contra o amor sacramento, benzido pelo padre, gatafunhado pelo escrivão... Lembras-te?

— E estamos ambos a pagar a lingua. E' sempre isto a vida : a liberrima theoria por cima e a trama férrea das injuncções por baixo. Somos, os homens, uma cadeia de contradicções. O casamento !... Não o defino hoje com o petulante entono de solteiro. Só digo que não ha casamento, ha casamentos ; cada caso é um caso especial.

— Tendo aliás de commum, disse eu, um mesmo traço : restricção da personalidade.

— Sim. E' mistér que o homem ceda cincoenta por cento da sua, e a mulher outros tantos, para que haja o equilibrio razoavel a que chamamos felicidade conjugal.

— "Felicidade conjugal" dizes bem, restringindo com o adjectivo a amplidão do substantivo.