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preoccupava-me como um enigma. Não comprehendia aquillo. Suas ultimas palavras na casa, seus ultimos actos, nada induzia o horrivel desenlace. Porque se mataria Laura? Como conseguira o revólver, guardado sempre no meu quarto, em lugar só de mim e de minha mulher sabido ? Uma inspecção nos seus guardados não me esclareceu melhor ; nenhuma carta, ou escripto indicioso. Mysterio!

Mas correram os mezes e, por fim, minha mulher deu a luz um menino.

Que dia! doe-me a cabeça ao recordal-o...

A velha Lucrecia, auxiliar da parteira, veiu á sala com a noticia do bom successo.

— Desta vez foi um meninão, mas nasceu marcado.

— Marcado?

— Tem uma marca no peito, uma cobrinha coral de cabeça preta.

Impressionado com a exquisitice, dirigi-me para o quarto. Acerquei-me da creança e desfiz as faixas o necessario para examinar-lhe o peitinho. E vi... um estigma que reproduzia fielmente o ferimento de Laurinha: um nucleo negro. imitante ao furo da bala, e a "cobrinha", uma estria enviezada pelas costellas abaixo.

Um raio de luz inundou-me o espirito. Comprehendi tudo. O feto em formação nas entranhas da mãe fora a unica testemunha do crime e, mal nascido. denunciava-o com esmagadora evidencia.

— Ella já viu isto? perguntei á parteira.

— Não. Nem é bom que veja antes de sarada.

Não me contive.

Escancarei as janellas, derramei sol no