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quarto, despi a criança e pul-a nu'a ante os olhos da mãe, dizendo com frieza de juiz:

— Olha, mulher, quem te denuncia!

A parturiente ergueu-se de golpe, recuou da testa as madeixas soltas, e cravou os olhos no estigma. Esbogalhou-os, como louca, á medida que lhe comprehendia a significação. Ergueu-os para mim, e aquelles olhos duros pela vez primeira se turvaram ante a fixidez inexoravel dos meus. Em seguida molleou o corpo, descahindo para os travesseiros, vencida.

Sobreveiu-lhe uma crise á noite. Acudiram medicos. Era febre puerperal sob fórma gravissima. Minha mulher recusou obstinadamente toda medicação, e morreu sem uma palavra, afóra as inconscientes, escapas nos momentos de delirio.


Mal concluira Fausto a confidencia daquelles horrores, abriu-se a porta e entrou na sala um rapaz imberbe.

— Meu filho, disse o pae, mostra ao Bruno a tua cobrinha.

A illusão era perfeita: lá estava a imagem do orificio aberto pelo projectil, e do fio de sangue escorrido.

— Veja você, concluiu o meu triste amigo, os caprichos da Natureza...

— Caprichos de Némesis... ia eu dizendo, mas o olhar do pae cortou-me a palavra: o moço ignorava o crime de que fora elle proprio o eloquente delator.